quarta-feira, 9 de março de 2011
Um herói revolucionário
"O coronel Kadhafi, graças às rendas do petróleo, tornou-se um mecenas e um apóstolo do progressismo revolucionário. Pelo que o conflito na Líbia ainda pode estar para durar.
Em três noites sucessivas vi a excelente trilogia "Carlos, The Jackal", sobre o famoso terrorista internacional que, por mais de 20 anos, protagonizou e simbolizou o activismo internacionalista, explorando um género querido à esquerda-caviar (e mesmo sanduíche mista revolucionária), a do assassino playboy e aventureiro ao serviço da causa da humanidade.
São cerca de cinco horas e meia de filme, assinadas por Olivier Assayas. Levaram-me aos finais dos anos 60, princípio dos anos 70, aos atentados bombistas em Paris e Roma, ao sequestro dos ministros da OPEC em Viena, aos resgates milionários, aos campos de treino do Iémen, do Sudão e da Líbia.
Nesses tempos, uma outra coqueluche da esquerda radical era precisamente o jovem revolucionário coronel Kadhafi. Aos 27 anos Kadhafi derrubara o reaccionário rei Idriss, em 1 de Setembro de 1969, e lançara-se num original socialismo árabe, inicialmente de inspiração nasserista, depois com as fantasias de um "caminho especial" líbio, inspirado e traduzido no "Livro Verde". Ao tempo, o homem era, com Mao Tse Tung, Ho Chi Minh, os Kmers Vermelhos e outros distintos pensadores e militantes humanistas, um santarrão do panteão radical.
E até, nos tempos áureos do MFA, alguns militares intelectuais do MFA caseiro por lá andaram a estudar a revolução líbia (e a trazer algumas ajudas de custo), como outros foram ao Peru, ou a Cuba, buscar inspiração.
O coronel, graças às rendas do petróleo, tornara-se um mecenas e um apóstolo do progressismo revolucionário: além de financiar atentados (os mais célebres foram as bombas a bordo dos aviões da UTA e da PAN AM, com centenas de mortos), criou uma famosa Legião Verde, uma legião de combatentes internacionalistas com o objectivo de libertar África. Não tiveram grande sucesso. A sua cartilha ideológica - o "Livro Verde" - uma réplica líbia do "Livro Vermelho", do presidente Mao, também não contribuiu muito para a literatura universal.
Com os milhões do petróleo, o coronel criou uma rede de influência num continente de estados pobres e governantes com apetência pela riqueza.
A seguir ao 11 de Setembro, Kadhafi mudou, temendo a sorte de Saddam Hussein. Não só renunciou aos programas de armamento não convencional, como alinhou, com os americanos, na caça à Al-Qaeda e a outros grupos terroristas. E pagou uma lauta indemnização aos familiares das vítimas dos atentados de Lockerbie e da UTA, além de ter reforçado os seus investimentos e os laços com os países respeitáveis da Europa. Que, respeitáveis como são, por cash, são capazes de quase tudo.
Agora parece ter-lhe chegado a hora, com o povo levantado contra ele, sitiado na capital, mas a esbracejar furiosamente. Pode ser mau e louco, mas não parece ser cobarde.
A ONU, os Estados Unidos, a UE e a NATO repetem condenações e avisos, mas parece que, por agora, ainda não decidiram actuar, nem sob a forma moderada de uma "no fly zone".
Uma operação rápida, cirúrgica, contra o bunker e os bastiões do poder líbio está ao alcance de qualquer porta-aviões norte-americano no Mediterrâneo. Seria uma acção de poucas horas, nesta ocasião bem acolhida por todos - da OPEC às Nações Unidas -, por europeus e americanos, e que russos e chineses não contrariariam. E que é pedida e aguardada pela população.
Mas Washington, tão rápido a meter-se em guerras de atrição e sem saída - como o Iraque e o Afeganistão - está indeciso, pelo que o impasse ainda pode durar."
Jaime Nogueira Pinto
in i, n.º572, 7 Março 2011.
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Khadafi em Portugal foi modesto no seu apoio, o MAN recebeu apoio mais material que monetário, os restantes nacionalistas europeus tiveram mais sorte com o patrocínio líbio.
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