segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Recordando Krasny Bor

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"Há algumas semanas fiz uma experiência. Cumpriam-se 70 anos sobre a batalha de Krasny Bor, perto de Leninegrado, onde 5.000 espanhóis da Divisão Azul se viram sobre o ataque de duas divisões soviéticas compostas por 44.000 homens e 100 carros de combate: uma companhia aniquilada, várias dizimadas, oficiais pedindo fogo de artilharia sobre a sua própria posição por estarem inundados de russos. Abandonados à sua sorte, lutaram todo o dia como feras, desesperadamente. Quase metade morreram ou desapareceram, mas pararam os russos, fizeram-lhes 10.000 baixas e obtiveram de Hitler o seguinte comentário: «extraordinariamente duros para as privações e ferozmente indisciplinados». E, bem. Esses são os feitos e assim os contei na rede social Twitter, onde desembarco em alguns domingos, acrescentando que entre os divisionários nem todos eram voluntários falangistas, pois também havia ex-combatentes republicanos e gente que se alistou por necessidade ou para ajudar algum familiar preso ou em desgraça. Acrescentei que a causa que defendiam era infame, mas que isso não alterava o fundamental: eram compatriotas, estavam no inferno e lutaram com uma bravura admirável. «Quem nos governa deveria prestar atenção a estas coisas — escrevi. A História provou mil vezes que não há nada mais perigoso que um espanhol encurralado». O interessante veio depois: três mil opiniões de twitteiros. Eu tinha mencionado um facto histórico, destacando uma coragem e tenacidade independentes de épocas ou ideologias. Algo que aconteceu e que está — ou deveria estar — nos livros de História pelas mesmas razões que a conquista de Tenochtitlán, o saque de Roma ou a libertação de Paris pelos republicanos espanhóis da Nove. Mesmo assim, não imaginam o que se leu no Twitter: os insultos e ofensas entre quem discutia. Alguns incluíram-me, claro. Isso foi o mais revelador: ultra-direitistas a acusarem-me de ser vermelho por ter qualificado de infame a causa defendida pela Divisão Azul na Rússia e ultra-esquerdistas a acusarem-me de fascista por falar na Divisão Azul em vez de a sepultar no negro esquecimento. E, entre uns e outros, dezenas de comentadores atirando-se à cabeça uns dos outros com argumentos ideológicos, passando ao lado do mais importante: o episódio histórico, a sua perspectiva épica e o seu interessante relato. A História, no fundo, não é boa nem má. É apenas uma chave para compreender o passado e o presente. E, às vezes, para prever o futuro."

Arturo Pérez-Reverte
in XLSemanal, 22/04/2013.

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