quarta-feira, 23 de março de 2011

O valor dos que escolheram o caminho mais difícil

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"Passaram 50 anos sobre o início da guerra de África, com o levantamento da UPA de Holden Roberto, que incendiou todo o Norte de Angola, massacrando milhares de civis de todas as etnias.
Foi o princípio de uma guerra que iria durar 13 anos e mobilizar centenas de milhares de homens em Portugal até ao golpe militar do 25 de Abril de 1974.
Como todas as guerras deste tipo - talvez a mais parecida na Europa tenha sido a guerra da Argélia -, a guerra de África dividiu a opinião portuguesa. De início, e perante a brutalidade da agressão, o governo de Salazar contou com o genuíno apoio da população e mesmo dos meios da oposição democrática, que tinham herdado o patriotismo colonial da Primeira República. Depois do primeiro entusiasmo — a reocupação do Norte de Angola levou vários meses e a guerra estendeu-se à Guiné e a Moçambique em 1963 e 1964 —, as águas foram-se dividindo politicamente. Em 1968, no momento da sucessão de Salazar por Marcelo Caetano, voltou a pôr-se o problema da continuidade política. Nos últimos anos do regime, a "questão da guerra" tornou-se o calcanhar de Aquiles do Estado Novo; embora tenha sido uma questão corporativa - de antiguidades e promoções entre os quadros militares médios — a levar à organização e à revolta do MFA.
Nessa guerra morreram alguns milhares de soldados metropolitanos e muitos mais soldados locais. Muito menos, de qualquer forma, do que morreriam nas guerras civis pós-independência. Mas foi também graças à guerra — e à atenção ao desenvolvimento económico-social dos territórios africanos a que ela obrigou — que estes territórios, sobretudo Angola, tiveram uma época de grande crescimento e desenvolvimento.
Por tudo isto — e por ser o elemento central da nossa modernidade — a guerra de África continua a ser um tema quente e delicado, que os políticos cautelosos afastam e que a esquerda antifascista continua a usar como motivo de queixa e legitimidade.
Por isso é significativo e positivo que o Presidente da República tenha, no cinquentenário, apontado como exemplo de esforço colectivo geracional, aos jovens de hoje, os dessas gerações, que, em anos sucessivos, não fugiram, não desertaram, não abandonaram, e com o seu sacrifício, com o risco do bem-estar e da vida, serviram Portugal e as populações africanas.
Seriam todos uns jovens fascistas dementados pela propaganda do regime? Ou criaturas indefesas, com medo de Salazar e da PIDE? Ou idiotas úteis que não percebiam o que estavam a fazer? Não parece que fossem. Fora um número relativamente escasso de desertores "ideológicos" — isto é, pessoas que, por convicção política, não quiseram servir uma guerra que reprovavam (e eu sei o que isso é, porque fiz o contrário, e desertei quando a guerra acabou para não entregar o que me tinha comprometido a defender) e da emigração económica para a Europa, o Exército não teve dificuldade de preencher as necessidades de homens nas fileiras.
A maioria cumpriu um dever, o que, ensina Pessoa, não é fácil. Deixaram muita coisa que amavam, pessoas e coisas, terras e carreiras. São, independentemente do juízo que se faça sobre a substância e as razões da guerra (e até do seu juízo sobre ela) — pessoas dignas de respeito e imitação. Logo, exemplos.
Cavaco Silva teve o desassombro de o dizer neste momento. E é normal que as esquerdas de serviço manifestassem a sua indignação.
Porque esta é uma pedra-de-toque das poucas questões políticas do nosso passado próximo. Que divide quanto à política, mas que podia unir, quanto ao valor dos que escolheram então o caminho mais difícil."

Jaime Nogueira Pinto
in i, n.º585, 22 Março 2011.

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