«Dobrou os braços, com as mãos por baixo da cabeça e olhou para as tábuas escuras do tecto, na escuridão situada para lá do alcance do candeeiro. Era da morte que estava à espera? Ou de um violento êxtase dos sentidos? As duas coisas pareciam sobrepor-se, quase como se o objecto do seu desejo físico fosse a própria morte. Mas, fosse como fosse, a verdade é que o tenente nunca antes tinha experimentado esta sensação de liberdade.
Na rua, ouvia-se o barulho de um carro. Conseguia-se perceber os guinchos dos pneus sulcando a neve amontoada ao pé do passeio. O som da buzina fez eco nas paredes da vizinhança... Ouvindo estes barulhos, o tenente teve a sensação de que a sua casa se erguia como uma ilha solitária no oceano de uma sociedade que continuava, como sempre, a fazer o seu negócio. À volta, extenso e desarrumado, estendia-se o país pelo qual ele sofria. Ia dar a vida por ele. Mas prestaria aquele grande país, que ele estava preparado para admoestar a ponto de se destruir a si próprio, alguma atenção à sua morte? Não sabia; e isso não importava. O seu campo de batalha era um campo sem glória, no qual ninguém podia mostrar acções de coragem: era a frente de batalha do espírito.»
Yukio Mishima
in "Morte no Verão", Editorial Estampa, 1996.
Sem comentários:
Enviar um comentário