sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Pensar o trabalho de amanhã: apresentação do Colóquio Iliade 2025

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O décimo segundo colóquio do Institut Iliade realizar-se-á no sábado, 5 de Abril de 2025, em Paris, com o tema “Pensar o trabalho deamanhã: Identidade. Comunidade. Poder”.

 


Globalização e financeirização, desindustrialização e terciarização, digitalização e desmaterialização, externalização e precarização, robotização... Em poucas décadas, o trabalho sofreu profundas transformações, gerando tensões, desilusões e preocupações, levando-nos a questionar o seu lugar na nossa vida e na nossa sociedade. O trabalho está em crise. Por isso, é preciso “repensá-lo”, mas também imaginar novas formas de o “reencantar”, no contexto da nova comunidade de destino que a Europa deve forjar para si própria.


Os gregos e os romanos faziam uma distinção entre o trabalho alienante (ponos, labor) e a actividade criativa propriamente dita (ergon e poiesis, opus), intimamente associada ao logos. O primeiro era inadequado para o homem livre e cidadão, que deveria aprender a cultivar o otium, o tempo dedicado ao lazer estudioso e à meditação, para além do negotium, o domínio da produção e do lucro comercial.


A sociedade medieval estava dividida em três ordens, herdadas de uma antiga estrutura indo-europeia: os laboratores deviam ser produtivos para garantir a sua subsistência, enquanto o manejo das duas espadas, espiritual e temporal, cabia aos oratores e aos bellatores. O exercício de um ofício, visto pela Igreja como um meio de redenção e de santificação, tinha uma dimensão profundamente comunitária, no quadro das comunidades de aldeia, dos grémios e das corporações, onde imperava o ideal do “trabalho bem feito”.


Na sequência da Reforma Protestante, seguida das teorias liberais inglesas do Iluminismo e das teorias marxistas do século seguinte, uma nova concepção do trabalho, essencialmente utilitarista e mercantil, em profunda rutura com as concepções antigas e medievais, foi-se afirmando no Ocidente. Surgida com a ascensão do capitalismo fabril, a noção de trabalho reduzida à sua dimensão estritamente material foi uma invenção da modernidade. Conceito intrinsecamente ligado à procura de produtividade e regido unicamente pela racionalidade económica, o trabalho tornou-se um “valor” determinante no conjunto da sociedade. No século XX, o aumento da mecanização e a era das massas conduziram à “mobilização total” das forças produtivas, de modo que toda a actividade humana tendeu a tornar-se inteiramente quantificável, e as próprias pessoas passaram a ser engrenagens na roda dos processos técnicos e económicos globais.


Nada parecia pôr em causa esta evolução. No entanto, parece que o trabalho é um valor que está agora a ser posto em causa em todo o mundo ocidental contemporâneo. Será o fim de um ciclo?

À medida que se aceleram as revoluções tecnológicas, o trabalho sofre mudanças radicais que acentuam tendências antigas: a perda de sentido do trabalho, a dependência de actividades de lazer fúteis, o desaparecimento da dimensão comunitária, a expansão do mundo virtual, a destruição dos empregos e a transformação do trabalhador numa peça permutável da “máquina de gestão”. Além disso, no momento em que a concorrência entre as grandes potências se intensifica e faz soar o toque de morte das ilusões de uma “globalização feliz”, as escolhas feitas pelos nossos dirigentes nas últimas décadas colocam os povos e as nações da Europa numa situação de vulnerabilidade preocupante: perda de soberania energética e tecnológica, desindustrialização e terciarização excessiva, recurso a uma mão de obra pouco qualificada e de baixo custo extra-europeia, verdadeiro exército de reserva para o capital, destinado a satisfazer tanto a preguiça dos consumidores como a avidez comercial dos grupos de interesses privados, enquanto os governos se esboroam sob o peso da dívida.


Este declínio não é, provavelmente, inevitável, desde que os europeus tomem em mãos o seu destino e se mostrem capazes de pensar o trabalho de amanhã em termos de identidade, de comunidade e de soberania: é apoiando-se nos valores duradouros da sua civilização, mas também dando provas de inventividade, que poderão restituir sentido e eficácia à sua actividade produtiva e voltar a conceber o trabalho como um caminho para a excelência e um instrumento de poder. A conquista de uma autonomia estratégica para o continente europeu é o primeiro passo essencial para esta renovação. Requer decisões eminentemente políticas e não apenas considerações financeiras míopes. Mas pressupõe também uma verdadeira recuperação intelectual e moral, na qual as dimensões espiritual e estética desempenharão também um papel fundamental: para dar sentido ao trabalho, é importante ultrapassar a visão estritamente materialista, individualista e utilitarista da actividade humana e colocá-la na perspectiva de um destino histórico comum.


Para além destas considerações, os europeus precisam também de recuperar o controlo do seu tempo, de modo a substituir uma abordagem consumista do lazer pelo gosto pelo otium, o lazer que eleva a alma e o espírito. Esta é precisamente uma das perspectivas oferecidas pelo desenvolvimento tecnológico, desde que o domínio deste último seja conquistado por uma nova elite inventiva, cuja visão do mundo seja capaz de combinar o sentido das proporções com a vontade de poder.


São estas as pistas que o Institut Iliade pretende explorar no âmbito do seu XII colóquio e do segundo Caderno do Pôle Études, que será lançado neste evento.

 

Henri Levavasseur

 

Informações práticas


XII Colóquio do Institut Iliade

Pensar o trabalho de amanhã: Identidade. Comunidade. Poder

Sábado, 5 de Abril de 2025, das 10:00 às 19:00 horas

Maison de la Chimie, 28 rue Saint-Dominique 75007 Paris

Bilheteira online

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Bons Europeus

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É impossível ficarmos indiferentes ao discurso de J.D. Vance. Para onde vai a Europa?

 


O discurso do Vice-Presidente dos Estados Unidos da América na Conferência de Segurança de Munique deste ano provocou um verdadeiro tremor de terra político e diplomático. Mais à direita, Vance apareceu como uma voz da salvação, um exemplo a seguir. Já para o centro e para a esquerda, foi a encarnação do mal, o demónio que se intrometeu na vida alheia para a destruir.

Estamos condenados a ser «Europeus bons», pacificados e obedientes, esterilizados pelo individualismo consumista, ou «Europeus maus», suicidas e cegos pelo amor incondicional do outro, imbecilizados pelo niilismo progressista?


Escreveu Guillaume Faye que «um povo ou uma civilização que abandonam a sua vontade de poder serão inevitavelmente submersos; porque quem não avança recua, e quem recusa o combate como consubstancial à vida não viverá muito tempo». A chave está exactamente na vontade de afirmação e só os Europeus poderão construir a Europa, como filhos do futuro. A terceira via é a daqueles que Nietzsche distinguia dos patriotas, os Bons Europeus.


As palavras de Vance não são novidade, mas parece que é necessária uma voz exterior, em especial do representante da maior potência mundial, para que vejamos o que está diante dos nossos olhos. Analisemos as três questões essenciais do seu discurso, numa perspectiva europeia.


A imigração maciça é a nossa maior ameaça. Vance não negou as ameaças externas, como a Rússia ou China, mas recordou o óbvio, o perigo interno. As elites europeias esqueceram a figura do «inimigo dentro de portas» e recusaram por demasiado tempo qualquer consequência negativa do fenómeno migratório, mas hoje a fantasia do fim da História desvanece-se. A única resposta política viável para este desafio presente é parar os fluxos e revertê-los, uma mudança que será apenas eficaz se concretizada a nível europeu.


É necessária uma política de defesa europeia. Vance foi taxativo em afirmar que «é importante que, nos próximos anos, a Europa dê um passo em frente para assegurar a sua própria defesa». Da protecção dos seus cidadãos e das suas fronteiras ao investimento nas suas forças armadas, os europeus não podem depender de qualquer potência externa. A paz assegura-se estando preparados para a guerra e este é o ensinamento clássico que nos deve guiar. O desenvolvimento da indústria de defesa europeia e a dinamização de um comando das forças conjuntas dos Estados europeus são os primeiros pilares para a afirmação da Europa como potência militar.


A democracia é o regime da vontade popular. Mas Vance veio recordar que não pode haver lugar a cordões sanitários eleitorais ou outras formas de cercear a expressão do povo. Nas suas palavras, «ao que nenhuma democracia, americana, alemã ou europeia, conseguirá sobreviver é dizer a milhões de eleitores que os seus pensamentos e preocupações, as suas aspirações, os seus pedidos de ajuda, são inválidos ou indignos de serem sequer considerados». Os chamados populismos são actualmente o eixo de viragem deste impasse político-partidário, provocado pela crise de legitimidade.


Os críticos que prontamente viram neste discurso uma ingerência de Vance nos assuntos europeus são os que delegam alegremente a defesa da Europa aos EUA e fecham os olhos aos apoios externos financeiros dos norte-americanos de toda a ordem, incluindo aos media ditos «de referência». Aqueles que observaram nestas palavras um ataque à democracia europeia, são os que querem ilegalizar partidos inconvenientes, especialmente quando representam uma parcela cada vez maior da população, ou que se opõem aos referendos a questões fundamentais, como a imigração.


Perante os presentistas, que confundem a União Europeia com a Europa, os passadistas, que sonham com soberanismos impossíveis, ou os fatalistas, para quem nada vale a pena, a melhor ideia que J.D. Vance transmitiu no seu discurso em Munique foi a de que «não temos de ter medo do futuro».


Sente-se o aceleracionismo neste fim de interregnum e, com a Europa no horizonte, recordo-me das sábias e inspiradoras palavras de Giorgio Locchi: «Se quisermos falar da Europa, se quisermos planear a Europa, temos de pensar na Europa como algo que nunca existiu, algo cujo significado e identidade ainda não foram inventados. A Europa não foi e não pode ser uma “pátria”, uma “terra de pais”; só pode ser planeada, projectada, nas palavras de Friedrich Nietzsche, como uma “terra de filhos”.»


Duarte Branquinho

Sol, 19/2/2025.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Ialta e/ou Weimar

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 Modelos de bandidos, comerciantes e escravos.




Modelos, símbolos e referências moldam as acções na vida e na História.

Riade segue o rasto de Ialta

no espírito de uma “Ialta 2.0” que envolve a Europa, o Médio Oriente e parte de África.

Na realidade, mais do que Ialta – onde, em fevereiro de 1945, foram selados os destinos dos povos submetidos ao sistema internacional dos criminosos e dos mercadores – a cimeira de bandidos da Arábia Saudita remete para Teerão, onde, no final de Novembro de 1943, esses destinos foram decididos.

Mas Ialta continua a ser o símbolo, o modelo

A partir de agora, não se fala de outra coisa e, numa ironia involuntária, é enaltecida como factor de estabilização.

“Óptimo, vamos voltar a ser escravos! exclama um liberto a quem foi retirada a liberdade no filme italiano “Cipião, o Africano”.

De facto, em Riade, pouco se falou da Ucrânia

mas muito sobre a exploração de terras raras, o desenvolvimento de pipelines e a partilha dos despojos, com total desprezo por todos os outros assuntos do planeta.

E há mesmo – e não são raros – aqueles que se regozijam pelo facto de o Vice-Presidente americano Vance, que não tem qualquer poder real e é uma figura perturbadora (dado que até mudou a sua confissão religiosa quando era muito jovem para subir na escada do establishment), ter humilhado os europeus.

Imaginem um futuro chanceler alemão a felicitar-se porque um representante da França humilhou os alemães no Ruhr, em 1923, simplesmente porque foi uma bofetada na cara de Weimar?

Weimar, precisamente

parece ser o modelo escolhido pela UE, com reuniões inconclusivas e mil posições divergentes, como por exemplo em Paris, na segunda-feira à noite.

Weimar, onde reinava a decadência, onde as questões de género e um movimento pré-Woke começavam a emergir, e onde se afirmava ser possível pôr a Alemanha de pé apenas através da economia e da diplomacia.

Este parêntesis alemão, baseado no processo económico unificador renano do Zollverein e reflectido na concepção de uma Europa que, infelizmente, nunca esteve verdadeiramente unida e nunca teve um poder central, foi, de facto, menos desastroso do que a História recorda.

Durante o período de Weimar

havia muitos impulsos e tendências, mas nem todos os opositores eram anti-alemães, tal como, actualmente, os que se insurgem contra a UE não são necessariamente anti-europeus.

Havia aqueles que – tal como fazem hoje muitos entusiastas do vazio – se regozijavam com cada humilhação alemã, porque, fossem eles comunistas ou da direita monárquica, esperavam ser dominados pelos russos ou tornar-se lacaios de Londres.

Mas havia também aqueles que, opondo-se à classe dirigente de Weimar, queriam uma Alemanha unida, forte, empenhada e não sujeita a qualquer influência, quer interna quer externa.

Foram eles que puseram fim ao parêntesis de Weimar

Amavam o seu próprio povo, a sua própria terra; eram movidos pela dignidade e não se viam como cidadãos do mundo, ao ponto de nunca exigirem receber ordens de ninguém – nem de Estaline, nem de Chamberlain, nem mesmo de Mussolini.

Hoje, por outro lado, muitas pessoas têm um imaginário globalizado e falam de TrumpPutin e Netanyahu como se estivessem cá e como se fossem compatíveis com a nossa História, com o nosso sentido de lugar e com o nosso próprio ser.

No entanto, eles tinham fé, não estavam extintos, não estavam mortos e não troçavam daqueles que, no meio do desastre e da decadência total – como em 1923 ou 1929 – acreditavam na Alemanha, sem fingir que ela tinha morrido em Verdun ou Versalhes.

Encontrem a diferença

e compreenderão porque somos fracos, e saberão como renasceremos.

Com ou sem ti!

Gabrioele Adinolfi

NoReporter

 
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