terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Bons Europeus

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É impossível ficarmos indiferentes ao discurso de J.D. Vance. Para onde vai a Europa?

 


O discurso do Vice-Presidente dos Estados Unidos da América na Conferência de Segurança de Munique deste ano provocou um verdadeiro tremor de terra político e diplomático. Mais à direita, Vance apareceu como uma voz da salvação, um exemplo a seguir. Já para o centro e para a esquerda, foi a encarnação do mal, o demónio que se intrometeu na vida alheia para a destruir.

Estamos condenados a ser «Europeus bons», pacificados e obedientes, esterilizados pelo individualismo consumista, ou «Europeus maus», suicidas e cegos pelo amor incondicional do outro, imbecilizados pelo niilismo progressista?


Escreveu Guillaume Faye que «um povo ou uma civilização que abandonam a sua vontade de poder serão inevitavelmente submersos; porque quem não avança recua, e quem recusa o combate como consubstancial à vida não viverá muito tempo». A chave está exactamente na vontade de afirmação e só os Europeus poderão construir a Europa, como filhos do futuro. A terceira via é a daqueles que Nietzsche distinguia dos patriotas, os Bons Europeus.


As palavras de Vance não são novidade, mas parece que é necessária uma voz exterior, em especial do representante da maior potência mundial, para que vejamos o que está diante dos nossos olhos. Analisemos as três questões essenciais do seu discurso, numa perspectiva europeia.


A imigração maciça é a nossa maior ameaça. Vance não negou as ameaças externas, como a Rússia ou China, mas recordou o óbvio, o perigo interno. As elites europeias esqueceram a figura do «inimigo dentro de portas» e recusaram por demasiado tempo qualquer consequência negativa do fenómeno migratório, mas hoje a fantasia do fim da História desvanece-se. A única resposta política viável para este desafio presente é parar os fluxos e revertê-los, uma mudança que será apenas eficaz se concretizada a nível europeu.


É necessária uma política de defesa europeia. Vance foi taxativo em afirmar que «é importante que, nos próximos anos, a Europa dê um passo em frente para assegurar a sua própria defesa». Da protecção dos seus cidadãos e das suas fronteiras ao investimento nas suas forças armadas, os europeus não podem depender de qualquer potência externa. A paz assegura-se estando preparados para a guerra e este é o ensinamento clássico que nos deve guiar. O desenvolvimento da indústria de defesa europeia e a dinamização de um comando das forças conjuntas dos Estados europeus são os primeiros pilares para a afirmação da Europa como potência militar.


A democracia é o regime da vontade popular. Mas Vance veio recordar que não pode haver lugar a cordões sanitários eleitorais ou outras formas de cercear a expressão do povo. Nas suas palavras, «ao que nenhuma democracia, americana, alemã ou europeia, conseguirá sobreviver é dizer a milhões de eleitores que os seus pensamentos e preocupações, as suas aspirações, os seus pedidos de ajuda, são inválidos ou indignos de serem sequer considerados». Os chamados populismos são actualmente o eixo de viragem deste impasse político-partidário, provocado pela crise de legitimidade.


Os críticos que prontamente viram neste discurso uma ingerência de Vance nos assuntos europeus são os que delegam alegremente a defesa da Europa aos EUA e fecham os olhos aos apoios externos financeiros dos norte-americanos de toda a ordem, incluindo aos media ditos «de referência». Aqueles que observaram nestas palavras um ataque à democracia europeia, são os que querem ilegalizar partidos inconvenientes, especialmente quando representam uma parcela cada vez maior da população, ou que se opõem aos referendos a questões fundamentais, como a imigração.


Perante os presentistas, que confundem a União Europeia com a Europa, os passadistas, que sonham com soberanismos impossíveis, ou os fatalistas, para quem nada vale a pena, a melhor ideia que J.D. Vance transmitiu no seu discurso em Munique foi a de que «não temos de ter medo do futuro».


Sente-se o aceleracionismo neste fim de interregnum e, com a Europa no horizonte, recordo-me das sábias e inspiradoras palavras de Giorgio Locchi: «Se quisermos falar da Europa, se quisermos planear a Europa, temos de pensar na Europa como algo que nunca existiu, algo cujo significado e identidade ainda não foram inventados. A Europa não foi e não pode ser uma “pátria”, uma “terra de pais”; só pode ser planeada, projectada, nas palavras de Friedrich Nietzsche, como uma “terra de filhos”.»


Duarte Branquinho

Sol, 19/2/2025.

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