quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

1961, o annus horribilis

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«Lembro-me perfeitamente do meu 4 de Fevereiro de 1961: foi um sábado, no Porto, estava no 5.o ano do Liceu D. Manuel II e fazia anos. Almocei em casa com os meus pais e fui ao cinema.

Depois comprei o "Diário do Norte" que, na primeira página, trazia a notícia do assalto às esquadras da polícia e à cadeia de S. Paulo em Luanda. Nesse dia começou a Guerra (do Ultramar, Colonial ou de África, deixo às convicções ou ao hábito do leitor).

Ia ser um ano decisivo para Portugal, para Salazar e para o seu regime: um ano em que se concentrariam todas as forças hostis, externas e internas; e de todos os modos possíveis - pela conspiração, pela força, e até através de originais e espectaculares acções de pirataria e desvio de aviões, em que a "oposição democrática" doméstica foi pioneira.

O annus horribilis do Estado Novo começou em 23 de Janeiro, com o assalto ao Santa Maria, na rota de Curaçau para Everglades (Florida), por Henrique Galvão e o seu grupo luso-espanhol; depois, a 4 e 11 de Fevereiro, foram os ataques dos independentistas em Luanda; a 15 de Março foi o grande massacre no Norte de Angola, levado a cabo pela UPA, de Holden Roberto, que matou cerca de dez mil pessoas, uns mil brancos e uns nove mil negros; a 13 de Abril foi o golpe palaciano de Botelho Moniz e o contragolpe de Salazar - também portas adentro - que resolveu o problema, demitindo em tempo útil os conspiradores apoiado na cobertura militar dos paras de Kaúlza de Arriaga.

Em 10 de Novembro foi desviado um avião da TAP, da carreira Casablanca-Lisboa, por um comando chefiado por Palma Inácio, que lançou milhares de panfletos anti-situação sobre Lisboa. A 10 de Dezembro, fugia um grupo de comunistas de Caxias, num Chrysler Imperial blindado. O carro era destinado ao serviço de Salazar, que o usava pouco. Aliás, fugia-se com regularidade das prisões fascistas - Cunhal e mais nove camaradas tinham escapado de Peniche, a 3 de Janeiro de 1960.

A 17 de Dezembro, as tropas da União Indiana invadiram os territórios da então Índia Portuguesa e a 19, o General Vassalo e Silva rendeu-se. A 31 de Dezembro, foi o assalto ao quartel de Beja, por elementos da oposição armada. Sem sucesso, mas morreu o sub- -secretário de Estado do Exército - Jaime Filipe da Fonseca.

Para a reconstituição deste ano-chave de 1961, além da memória, recorri ao livro "António de Oliveira Salazar - Uma Cronologia"*, de Fernando de Castro Brandão. O autor dedicou-se, com paciência, aplicação e rigor, a ler, decifrar e copiar, as agendas de Salazar, reconstituindo, a partir delas, o dia-a- -dia do chefe do governo, num documento a partir de agora indispensável para o estudo da época. Esta "cronologia" é uma - outra - biografia de Salazar e uma história do Estado Novo, no seu dia-a-dia, sobretudo nesta década de sessenta. Um tempo em que Portugal era um país isolado ou marginalizado por uma parte da comunidade internacional, mas um país importante, que vinha nos noticiários sem ser pelos leilões da dívida, pelos riscos de bancarrota ou pelos casamentos de militares do mesmo sexo.

Duas citações de Salazar, tiradas da "Cronologia". Uma é de 9 de Abril de 1966:
"Os meus dias são tão parecidos uns com os outros que chego a ter uma certa dificuldade em precisar as datas."

A outra é de 13 de Abril de 1961, na ressaca da Abrilada dos generais:
"O que eles não querem é bater-se. E isso já vem de trás... A mim o que me pode acontecer é apanhar um tiro, mas eles serão uma província de Espanha."»

Jaime Nogueira Pinto
in i, n.º554, 14 Fevereiro 2011.

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