sábado, 21 de dezembro de 2013
Solstício de Inverno
«O Natal é a velha festa do Solstício de inverno. Na noite mais longa do ano, igual ao inverno, ao frio, à neve, ao gelo, que parecem não ter fim, nessa noite única e terrífica, os nossos antepassados recusaram acreditar na morte do sol. Traziam no coração a certeza da primavera. Sabiam que a vida continuava, que as flores iriam furar a neve, que as sementes germinariam debaixo do gelo, que as crianças iriam tomar a sua parte na herança e que os seus clãs e as suas tribos iam conquistar todas as terras de que tinham necessidade para viver, todos os mares onde iam estabelecer um domínio sem limites.
No momento em que os glaciares recuavam pouco a pouco diante as florestas, milhares de anos atrás, uma imensa velada de armas reunia-nos à volta dos fogos, através de toda a Europa, então sem nome. Os nossos antepassados surgiam das trevas e das brumas. Iam descobrir o mar imóvel e erguer pedras verticais, ao sol da Grécia. Sabiam que triunfariam sobre o inverno, sobre o medo e sobre aquela sageza atroz dos velhos que paralisam a gente jovem impaciente.
O nosso mundo está prestes a nascer. Invisível como as flores e as sementes de amanhã, faz o seu caminho debaixo da terra. Temos já as nossas raízes solidamente enterradas na noite das idades, ancoradas no solo dos nossos povos, alimentadas com o sangue dos nossos antecessores, ricas de tantos séculos de certeza e de coragem que somos os únicos a não renegar. Entrámos no inverno integral, onde se obrigam os filhos a terem vergonha dos altos feitos de seus pais, onde se prefere o estrangeiro ao irmão, o vagabundo ao camponês, o renegado ao guerreiro. Entrámos num inverno onde se constroem casas sem chaminés, aldeias sem jardins, nações sem passado. Entrámos no inverno.
A natureza morre e os homens tornam-se todos iguais. Já não há paisagens, já não há rostos. Vivemos em cubas. Com um pouco de química, iluminamo-nos, alimentamo-nos, não temos crianças a mais, esquecemos a luta, o esforço e a alegria. Sim, apesar das luzes de néon, das montras e das imagens do cinema, apesar das festas do Natal, das grinaldas, das missas e dos abetos, entrámos num inverno muito longo.
Somos só alguns que trabalham para o regresso da primavera.»
Jean Mabire
in “Os Solstícios – História e Actualidade”, Hugin (1995).
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
"Desta vez não sei se a história se vai repetir"
"19 de Novembro de 1942
O que me exaspera nas discussões com os anglófilos, que se regozijam com uma eventual derrota da Alemanha, é que a sua paixão política os faz esquecer o facto decisivo na actual guerra: a entrada activa da Rússia na história mundial. Do mesmo modo combatiam, na Antiguidade, os Latinos com os Gregos em Constantinopla, deixando os Turcos porem o pé na Europa. E passado trezentos anos, nós, os Romenos, tivemos de derramar o nosso sangue para que os Turcos não chegassem ao coração da Europa. Desta vez não sei se a história se vai repetir."
Mircea Eliade
in "Diário Português", Guerra e Paz, 2007.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
Morte no paraíso
"Olho os mapas e as imagens do parque nacional de Bwabwata, no Norte da Namíbia, naquilo a que chamávamos faixa do Caprivi. Sobrevoei-o algumas vezes a caminho do Sul de Angola, no tempo das guerras quentes da Guerra Fria.
As rotas passavam por ali e, numa tarde limpa de nuvens, espreitando da vigia do Beachcraft 200 no regresso para o sul, lembro-me de distinguir lá em baixo os verdes e ocres da floresta, o azul-cobalto dos charcos, o serpentear escuro dos rios, a trilha de uma picada. E imaginar, numa lagoa que o sol reflectia, bandos de búfalos, pacaças, zebras, vigiados por predadores famintos mas pacientes.
Foi neste cenário que se despenhou na tarde de sexta-feira, 29 de Novembro, o Embraer 190 da LAM, com trinta e três tripulantes e passageiros a bordo.
Deles, seis eram nossos compatriotas, alguns mesmo amigos. Eram desses portugueses que iam e vão sempre na linha da frente — dos que andaram nas carreiras da Índia e agora andam nos caminhos da economia globalizada.
Hoje são dezenas de milhares, em África, nos Estados nascidos do antigo Império. Partiram e partem de cá, levam a pátria no coração e na sola dos sapatos. Às vezes também na cabeça. São outro país e, atrevo-me a dizer, um país melhor, comparado com o dos que por cá só resmungam, só se queixam, só amaldiçoam, só sabotam, indignados indignantes arvorados em bombeiros dos fogos que acenderam, sem sentido do bem comum ou do interesse público.
É outro país, o de muitos dos que por cá ficam. Camões não deixou também de falar deles, pondo na boca do Velho do Restelo as palavras dos críticos dos ouros e fumos das Índias; um dilema que hoje se reabre em volta das migrações, porque quem parte porque tem de partir também empobrece a terra que deixa. Mas o facto é que as nossas qualidades de adaptação, o nosso cosmopolitismo, são grandes vantagens competitivas nesta conjuntura adversa e quem parte também nos enriquece e engrandece.
A morte dos nossos outros compatriotas é símbolo dos trabalhos e riscos dos portugueses das novas diásporas, que continuam os perigos e as glórias, os naufrágios e as vitórias da aventura portuguesa. Sempre foi o nosso signo e sina sermos mediadores entre o centro e as periferias perigosas, pelo mar, na viagem, na descoberta, na conquista, no comércio.
Foi assim, é assim. Com amor e risco. Os que morreram na semana passada, no Parque do Bwabwata, pagaram esse preço alto do risco. Que descansem em paz."
Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 6 de Dezembro de 2013.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
A poesia do inconsciente
"Era o animal em toda a sua estranha bestialidade e ferocidade que era especial. Os passos sorrateiros nas sombras escuras da noite, os gritos de uma ave que passa, o vento, o cheiro a sangue, os bramidos que sobem no espaço, resumindo, o espírito do reino animal selvagem a sobrepor-se ao animal selvagem... A poesia do inconsciente..."
Knut Hamsun
in "Fome", Cavalo de Ferro Editores.
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
Os homens entre si
"Com os clubes e as «sociedades secretas», afirma Lionel Tiger, «os homens fazm a corte aos homens». As grandes confrarias profissionais, as corporações estudantis, as ordens, as sociedades secretas são meios de reforçar (e de exaltar) o vínculo intermasculino. Seja no colégio ou no exército, as «cerimónias de iniciação», por vezes bizarras e mesmo cruéis, evoam os ritos de passagem da puberdade (com a transposição que se impõe: é-se«adulto» quando se detémo conhecimento ou o poder) e apertam os laços entre «iniciados». Os clubes femininos, pelo contrário soçobram regularmente na desordem e nos mexericos.
(...) Tiger lembra que o homem, em relação à mulher, é ao mesmo tempo mais racional e mais irrazoável. O homem sabe que se lança por vezes em aventuras sem esperança, que enfrenta desafios extravagantes. Mas ele pensa que não deve «dar o braço a torcer». Esta concepção do sacrifício inútil decorre directamente de uma ética de honra. A mulher, ela, vê as coisas de outro modo. Ela reprova ao homem o seu «orgulho». Ela acusa-o de correr atrás de «quimeras», e de negligenciar as suas responsabilidades familiares. Para ela, nunca se dá o braço a torcer quando se é «razoável».
No fim de contas, o homem é sempre uma criança. Os alemães têm uma palavra para isto: Das Kind im Manne — a criança que, no homem feito, é a memória viva de um passado sempre destinado e inspirar o futuro.
Montherlant dizia que «um homem sem criancices é um monstro horrível». Nietzsche, ao contrário, propunha «pôr na acção a seriedade que a criança põe no jogo» — quer dizer, precisamente, consideraras coisas sérias como um jogo. Daí, no homem, essa nostalgia dos lugares de infância e dos amores adolescentes — dos quais Jules Romains pode dizer que são uma mistura de angelitude e de obscenidade.
As sociedades que acentuam a segurança, o conforto, às quais repugna o risco, são sociedades em que os valores masculinos estão em declínio. «Faça amor, não a guerra» é um slogan feminino que se traduz por: «Façam-nos amor, não façam guerra entre vocês».
O homem nunca acaba, como nos tempos da sua infância, de ir aos ninhos de pássaros. Não tanto pelos ninhos, aliás, mas para trepar ao alto das árvores. Ele quer sempre ir mais longe, mais depressa, mais alto. Ele tem prazer na competição, ele admira os records. A mulher pergunta «para que é que isso serve». É por isso que cabe à mulher preservar o que o homem adquiriu. A sociedade mantém-se assim — e renova-se eternamente."
Alain de Benoist
in "Nova Direita Nova Cultura – Antologia crítica das ideias contemporâneas", Lisboa, Fernando Ribeiro de Mello/Edições Afrodite, 1981.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
«Reacção feroz. Temem a dissidência»
Uma punição cruel e desproporcional contra uma acção absolutamente simbólica. É assim que a CasaPound classifica a reacção da polícia à tentativa de içar a bandeira italiana na sede da representação da União Europeia. «Para todos os efeitos, é actualmente a sede de um exército de ocupação económica», afirma Gianluca Iannone, o líder da CasaPound.
O que é que aconteceu?
A detenção de Simone Di Stefano [vice-presidente da CasaPound] por «furto de bandeira» foi surreal. A manifestação era absolutamente pacífica. Mesmo assim, perante italianos desarmados, sem capacetes, sem bastões e sem bombas, foi lançada uma reacção violenta, furiosa e desproporcional. Uma repressão feroz como não se via há muito tempo e um «castigo» feroz contra quem se limitou a um executar um gesto totalmente simbólico. Não tenho visto episódios destes perante manifestações bem mais agressivas.
Já foram excomungados por Letta [primeiro-ministro italiano]. Qual é a sua justificação?
A nossa resposta é que a velha política tem medo de uma verdadeira dissidência, que não conseguem interceptar. Tinha razão o grande Pound quando dizia que os políticos são os empregados dos banqueiros...
Não esperavam ser classificados como um movimento anti-histórico?
Do ponto de vista social a Itália regrediu ao século XIX, e nós é que somos os anti-históricos? Além disso, esta ideia segundo a qual existe um caminho obrigatório que já está escrito e do qual não nos podemos desviar é supersticiosa, medieval, e como tal, anti-histórica. A verdade é que se pode imaginar uma economia complexa e em grande parte diferente da actual perspectiva desastrosa da globalização.
A vossa batalha é também contra o euro. Porquê?
A nossa batalha é contra qualquer moeda que não seja cunhada pelo Estado, seja a lira ou o euro. Nós somos contra o Banco Central Europeu, não necessariamente contra qualquer tipo de moeda única europeia.
Se saíssemos do euro, os preços dos produtos seriam mais baixos, mas perderíamos o guarda-chuva da moeda forte para adquirir matérias primas.
Para ser franco, acho que os italianos não se sentem sob a protecção de qualquer guarda-chuva.
Os vossos argumentos são os mesmos que os de Grillo. O que têm em comum com ele?
Grillo sepultou as suas ambições revolucionárias quando enviou para o Parlamento dezenas de nerds confusos e impreparados, que como primeira medida propuseram endurecer os crimes de opinião. Se quer realmente fazer alguma coisa, largue o computador e venha às ruas onde pode realmente sentir a raiva que as pessoas sentem. É verdade que tanto a CasaPound como Grillo dizem que quem é atirado à água deve começar a nadar, mas o problema é que os vários Letta e Alfanos sugerem que devemos esperar a ajuda da mão invisível do mercado.
Isso não é pescar no desespero?
Nós dizemos as mesmas coisas há mais de dez anos. Agora que os factos confirmam as nossas ideias somos acusados de oportunismo? Além disso, dar resposta ao desespero é exactamente uma das tarefas da política. Ou devemos talvez limitar-nos a olhar por nós mesmos, como aquele político grego que recentemente afirmou que "dar de comer ao povo não pode ser um dever do Estado"?
Se a Itália saísse do euro podia ser o caos.
Isso é um equívoco: nos caos económico já nós estamos! Já caímos no fundo, estamos a tocá-lo com as nossas próprias mãos. Agitar o espectro de um cenário pós-apocalíptico é inútil, dado que muitos italianos já não têm nada a perder. Dito isto, repito que a posição da CasaPound não é anti-euro, mas nós não combatemos um fetiche, combatemos um sistema criado para endividar os povos.
Que opinião tem relativamente aos "forquilhas" [revolta das forquilhas, movimento independente que envolve agricultores, camionistas, artesãos, pequenos comerciantes e estudantes, e que se propôs parar Itália durante cinco dias, de 9 a 13 de Dezembro, recorrendo a manifestações, concentrações, bloqueio de estradas e fecho de comércio]?
Trata-se de um movimento largamente espontâneo, que nasce de uma raiva genuína, e que portanto é ainda algo confuso. Houve no entanto a clareza de escolher como único símbolo a bandeira italiana. Para nós foi o suficiente para tomarmos partido por eles, sem símbolos, instrumentalizações ou infiltrações. As barricadas em torno da bandeira tricolor, fazemo-las há dez anos. Temos por isso o direito de nos sentirmos em casa, conquistámos esse direito no campo.
Que pensa da actual classe política?
É composta unicamente por inimigos do povo. Quanto à gestão da crise, simplesmente não existe. Foi confiada a aprendizes de feiticeiro da alta finança e a programas governamentais organizados pelos mesmos que criaram a crise. A nossa solução é simples: congelamento, pelo menos por um ano, dos encerramentos ordenados pela Equitalia [empresa pública que em Itália se encarrega da tributação de impostos], o congelamento da dívida externa e proteccionismo europeu para evitar que os trabalhadores italianos sofram a concorrência dos escravos chineses. Seria um bom ponto de partida.
Tradução de uma entrevista de Gianluca Iannone ao jornal «Il Tempo».
Como a esquerda se entretém
"A esquerda portuguesa é de facto extraordinária. Quando se provou que os partidos da esquerda se tinham metido num beco sem saída, a primeira ideia que veio à cabecinha das notabilidades da seita foi fabricar mais partidos, sempre à procura da mítica “unidade”, que por toda a parte desapareceu logo na sua auspiciosa criação. Excepto sob a autoridade da URSS, primeiro em Moscovo e a seguir no Comintern e no Cominform, a história do socialismo nunca passou de uma série de querelas, de cisões, de purgas, de assassinatos cometidos com suma piedade e zelo. Mas, pelos vistos, continua em Portugal, no ano de 2013, a mesma ambição de juntar os “verdadeiros” camaradas numa casa comum que domine a política nacional e acabe de uma vez com as terríveis desordens do capitalismo.
O Bloco de Esquerda, hoje defunto, começou com essas fantasias. Claro que o BE não tinha nada de esquerda: nem “massas” que o seguissem, nem um programa para a reforma do país, nem sequer uma estratégia: tinha só as famosíssimas “rupturas”. Mas protegido por alguns génios, que pretendiam enfraquecer o PC, teve até certa altura muito tempo de televisão. E apareceram de repente Miguel Portas, Francisco Louçã, Ana Drago e outros, com um arzinho de universitários sabichões, que atraíram em pouco tempo uma pequena parte da populaça. Eles diziam que eram “modernos” e a populaça julgava que a “modernidade” a esperava. Este equívoco durou quase 20 anos, enquanto a impotência do Bloco se não tornou evidente e Sócrates não se apropriou das “rupturas”. Sob vários pretextos, muitos ratos fugiram imediatamente do barco e ainda não deixaram de fugir.
Com o PC feliz no seu velho ghetto e o PS numa perpétua trapalhada, um antigo BE resolveu arranjar um “partido”, deliberadamente sem doutrina e disciplina, em que as prima-donas da esquerda pudessem falar à sua vontade e ser ouvidas, sem perturbação, por meia dúzia de gatos-pingados. Nada sairá deste concurso de asneiras, mas não interessa. A patetice pública alivia a alma. E estávamos nisto, quando Manuel Carvalho da Silva, agora munido de um doutoramento, tomou a estranha decisão de inaugurar um “movimento”, com o objectivo (adivinhem) de finalmente promover a “unidade” da esquerda. O “movimento” recebe quem lhe bater à porta: católicos, o BE, o “Partido Livre” e mesmo uns tantos comunistas na disponibilidade. É uma sopa turva de que inevitavelmente vai saltar uma dezena mais de partidos com a pedra filosofal no bolso. Deus nos dê muita paciência."
Vasco Pulido Valente
in "Público", 15 de Dezembro de 2013.
domingo, 15 de dezembro de 2013
sábado, 14 de dezembro de 2013
Portugal: Ascensão e Queda
Portugal: Ascensão e Queda
Jaime Nogueira Pinto
Dom Quixote
320 Páginas
O império português desapareceu há quarenta anos, fragmentado em partes, povos e comunidades que começaram então, também no sofrimento, na incerteza e na esperança, a sua vida na História. Século e meio antes, outra parte desse império tinha-se separado, com a independência do Brasil, essa mais pacífica, feita sem a comunidade internacional.
É a História acontecida, sancionada pela justiça dos factos. No mundo presente, a decadência da Europa e do Ocidente é também um facto. […] Agora, outros continentes, outros povos, outras áreas estão a tomar as chaves e as rédeas do futuro. A maioria dos povos lusófonos estão nestas áreas e são agora, como nós fomos: povos jovens, unidos, com a fé, a vontade e a força de fazerem coisas no mundo. E alguns têm os trunfos e os meios para os desafios que aí vêm. O lugar dos portugueses que não se resignam à mediocridade mansa ou ressentida de tributários do Centro Europeu, pode também ser ao lado desses povos, erguendo a partir de um passado unido, sofrido, dividido, uma convergência futura.
Encomendar através de: Leya, Wook, Fnac, Bertrand.
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
"Inundamos o mundo inteiro com frases insignificantes"
"Essas «redes sociais» de «sociais» só têm o nome. Não oferecem mais do que um simulacro de sociabilidade. Com o Facebook estabelecemos ligações com «amigos» que nunca vimos, visitamos países onde nunca iremos pôr os pés. Conversamos, desabafamos, inundamos o mundo inteiro com frases insignificantes. Isto é, colocamos a técnica ao serviço do narcisismo mais imaturo. A quebra das ligações sociais é o fruto da solidão, do anonimato em massa, do desaparecimento das relações sociais orgânicas. A verdadeira sociabilidade exige experiência directa, que o mundo dos ecrãs tende a abolir. A única utilidade do Facebook é colocar à disposição da polícia cada vez mais informação sobre nós mesmos, a um nível que nunca nenhum regime totalitário pôde sequer imaginar. Os ingénuos contribuem eles próprios para reforçar os procedimentos de controlo dos quais por vezes se queixam."
Alain de Benoist
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
Estados Unidos — declínio ou hegemonia
"A narrativa bíblica do sonho de Nabucodonosor no Livro de Daniel, em que o jovem judeu cativo em Babilónia reconstrói e interpreta o sonho do Rei, dá-nos a primeira versão da ascensão e queda dos impérios: o gigante da cabeça de oiro, os braços de prata, o ventre e as pernas de bronze e os pés de barro representava esses impérios antigos — o Caldeu, o Persa, o Macedónio de Alexandre, os Plotomeus e os Seleucidas, a todos os que foram oprimindo os judeus até à data da redacção do livro.
Estes impérios caíam e sucediam-se. Na moderna história europeia, desde o século XVI, também impérios e hegemonias se sucederam, na terra e nos mares.
O caso português não parece integrar-se nestes impérios euroglobais, pois mesmo no seu apogeu, nos princípios do século XVI, com o Brasil em ocupação e povoamento, as poucas fortalezas e feitorias nas Áfricas Ocidentais e Orientais, o controlo do comércio do Índico, faltou-nos alguma hegemonia na Europa para entrar no clube dos grandes impérios. Se o tivéssemos feito, teríamos sido os pioneiros entre 'os modernos'.
Não fomos. Mas os Habsburgos Carlos V e Filipe II, a França no tempo de Luís XIV e a Grã-Bretanha da Guerra dos Sete Anos à Grande Guerra foram sucessivamente as grandes potências.
E depois das rivalidades de entre guerras, os Estados Unidos apareceram em 1945, como a superpotência hegemónica, medindo forças com a Rússia soviética. Esta fragmentou-se no princípio da década de 1990 e os americanos ficaram sozinhos, super-potência única, primeira na força militar, na economia e também na imposição de modelos político-económicos, da cultura urbana dos jovens, dos modos ditados pela música, pelo cinema e pela televisão.
E agora? Vão manter a dianteira? Vão cedê-la aos chineses, cujos números económicos tanto impressionam? Vão decair devagar, como os impérios antigos, ou a hegemonia britânica, ou bruscamente como os japoneses dos anos 30 ou a URSS?
O 'declinismo' é uma escola universal, transversal a ideologias, épocas ou continentes. Os seus corifeus lêem nas tendências e casos do presente o futuro (difícil e decadente) que está para vir. O seu grande profeta no limiar do século passado, Oswald Spengler, escreveu dois grossos e primeiros volumes da História Política e da Civilização a falar dessa decadência do Ocidente.
Mas será que a decadência é irremediável e rápida? O império soviético, um império ideológico, territorial e militar, durou 40 anos e caiu entre a baixa dos preços do petróleo (para a qual Bill Casey foi determinante, ao convencer os sauditas), a derrota do Afeganistão e a utopia reformista de Gorbachev.
Será que o império americano, com tantas teorias declinistas — desde o impacto do Sputnik ao famoso livro de Paul Kennedy e às permanentes profecias do 'céu a cair' sobre os Estados Unidos —, vai conhecer a mesma sorte um quarto de século depois? Por agora não sabemos, pelo que podemos, livremente, entregar-nos à especulação histórico-filosófica e analítica, um prazer bem mais agradável, que debruçar e especular sobre as mágoas conjunturais deste país."
Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 29 de Novembro de 2013.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2013
Von Salomon por Rodrigo Emílio
"Se autores há com o poder de revigorar, em bases inabaláveis, a fé quase perdida; com o condão de devolver à mística amortecida a sua chama e de tonificar certezas que se contavam por desencantos; com a faculdade de mobilizar energias renovadas e de convocar resolutamente ao combate – então é certo que Ernst Von Salomon pertence ao número, extremamente dígito, desses autores. Por outro lado se há livros ao contacto dos quais aurimos alento para afrontar, com redobrada voltagem de ânimo, situações históricas difíceis, como se apresenta esta que nos calhou viver, e então, não há mais que saber: «Die Kadetten» (Os Cadetes) e «Die Geächteten» (os Reprovados) estão no número, extremamente digito, desses livros."
Rodrigo Emílio
in "Política", nº26, 31 Janeiro 1971.
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
A morte de Mandela: Portugal à solta
"A morte de Mandela mostrou a indigência do jornalismo português. Com um arzinho de circunstância, a televisão e os jornais repetiram os lugares-comuns que se esperavam; e meia dúzia de personalidades contaram histórias sem significado ou relevância sobre encontros que teriam tido com Mandela.
No meio desta desgraça, muito pouca gente se salvou (José Cutileiro e Daniel de Oliveira) e a generalidade do público ficou sem saber quem fora o homem e o que fizera. Para começar, ficou sem saber que nascera na família real da nação xhosa (sobrinho do soba), que estudara numa escola metodista inglesa e na Universidade de Witwatersrand, que se formara em direito e que abrira um escritório de advogado em Joanesburgo. Parecendo que não, estas trivialidades são e continuaram sempre a ser parte do político e explicam em parte a sua carreira.
Também não se disse nada sobre a evolução de Mandela de uma estratégia pacífica e moderada contra o apartheid para uma estratégia de resistência armada (que incluía sabotagem, terrorismo e guerra) e, depois para a fase final de reconciliação e da paz, que o tornou definitivamente nessa espécie de santo laico hoje celebrada. Talvez por isso, a cronologia desapareceu da longa vida de Mandela. Como observou João Marcelino, o voto de Portugal na resolução da ONU sobre o apartheid de 1987, não se explicou (Portugal votou contra porque nessa altura havia um exército de Cuba em Angola e um regime “comunista” em Moçambique); e a coisa serviu principalmente para malhar em Cavaco, exercício em que Ana Gomes como sempre de distinguiu.
Pior do que isso: não me lembro de uma única frase, excepto do próprio Gorbatchov, sobre a queda do “muro de Berlim”, sobre o colapso do império soviético na Europa oriental ou sobre a “perestroika” e a fraqueza do poder na própria Rússia, quando De Klerk libertou Mandela, em 1990, e resolveu negociar com o ANC, perante a impassibilidade da direita do Ocidente. A África do Sul não corria agora o risco de cair nas mãos dum ANC dominado pelos “companheiros de caminho” do comunismo, em que Mandela não se conseguiria impor e menos conduzir pelos doces caminhos do “perdão”. De qualquer maneira, convém lembrar que em 2013 a África do Sul continua dividida entre brancos ricos e pretos pobres, que sofre de uma criminalidade nos limites do intolerável e de uma epidemia de sida, que nenhum governo foi capaz de travar ou de atenuar. Com ou sem Mandela, não é um sítio recomendável."
Vasco Pulido Valente
in "Público", 8 de Dezembro de 2013.
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
O outro lado de Mandela
"Nascido a 18 de Julho de 1918 no antigo Transkei e falecido a 5 de Dezembro de 2013, Nelson Mandela não corresponde à imagem piedosa transmitida mundialmente nestes dias pelo politicamente correcto. Para lá das emoções ternas e das homenagens hipócritas, é importante não perder de vista o seguinte:
1) Aristocrata xhosa da linha real dos Thembu, Nelson Mandela não era um «pobre negro oprimido». Com uma educação europeia proporcionada por missionários metodistas, começou os seus estudos superiores em Fort Hare, universidade destinada aos filhos das elites negras, completando-os em Witwatersrand, no Transvaal, o coração do que era na altura o «país boer». Instalou-se de seguida como advogado em Joanesburgo.
2) Não era bem o gentil reformista que a imprensa lamechas gosta de tratar como «arcanjo da paz», lutando pelos direitos do homem como um novo Gandhi ou um novo Martin Luther King. Com efeito, Nelson Mandela foi acima de tudo um revolucionário, um combatente, um militante que pôs «a sua pele antes das suas ideias», não hesitando em derramar o sangue de outros e a arriscar a sua própria pele.
Foi um dos fundadores do Umkonto We Sizwe, «a ponta de lança da nação», braço armado do ANC, que co-dirigiu em conjunto com o comunista Joe Slovo, planeando e coordenando mais de 200 atentados e sabotagens pelos quais foi condenado a prisão perpétua.
3) Não foi o homem que permitiu uma transição pacífica de poder entre a «minoria branca» e a «maioria negra», evitando um banho de sangue na África do Sul. A verdade é que foi levado ao poder pelo presidente De Klerk, que aplicou à letra o plano de resolução da questão da África austral definido por Washington. Pelo caminho Mandela traiu todas as promessas feitas ao seu povo, tais como:
- Desintegrar o exército sul-africano, com o qual o ANC não era capaz de lidar;
- Impedir as criação de um Estado multi-racial descentralizado, alternativa federal ao jacobinismo marxista e dogmático do ANC;
- Travar as negociações secretas mantidas entre Thabo Mbeki e os generais sul-africanos, negociações que envolviam o reconhecimento, pelo ANC, de um Volkstaat em troca do abandono da opção militar pelo general Viljoen.
4) Nelson Mandela permitiu o esgotamento das fontes sul-africanas de leite e mel e o fracasso económico do país é hoje total. Segundo o Relatório Económico Africano para o ano 2013, redigido pela Comissão Económica da ONU para África e pela União Africana para o período 2008-2012, a África do Sul é classificada como um dos cinco países «com pior desempenho» do continente, em função do crescimento médio anual, apenas à frente das Comores, Madagáscar, Sudão e Suazilândia.
Segundo dados oficiais, o desemprego atingiu 25,6% da população activa no segundo trimestre de 2013, embora na realidade ultrapasse os 40%. Os rendimentos do segmento mais pobre da população negra, que representa mais de 40% da população sul-africana, é actualmente 50% inferior ao valor verificado no regime branco anterior a 1994. Em 2013, quase 17 milhões de negros numa população de 51 milhões de habitantes só garantiram a sua subsistência graças a ajudas sociais, denominadas Social Grant.
5) Nelson Mandela falhou também politicamente e o ANC acumula hoje graves tensões entre etnias Xhosa e Zulu, entre doutrinários pós-marxistas e tecnocratas capitalistas, entre africanistas e apoiantes de uma linha «multi-racial». Da mesma forma, um conflito de gerações opõe a velha guarda composta por «Black Englishmen» e os jovens lobos que defendem uma «libertação racial» e o confisco dos agricultores brancos, tal como foi levado a cabo no Zimbabwe.
6) Nelson Mandela não pacificou a África do Sul, país que actualmente se encontra entregue à lei da selva, com uma média de 43 homicídios diários.
7) Nelson Mandela não facilitou as relações inter-raciais. Entre 1970 e 1994, ou seja 24 anos, enquanto o ANC estava «em guerra» contra o «governo branco», foram assassinados cerca de 60 agricultores brancos. Desde Abril de 1994, data da chegada ao poder de Nelson Mandela, mais de 2000 agricultores brancos foram massacrados perante a total indiferença da imprensa europeia.
8) Por fim, o mito da «nação arco-íris» estilhaçou-se perante as realidades regionais e étnico-raciais e o país está hoje mais dividido e fragmentado do que nunca, fenómeno que é visível em cada eleição, quando o voto é claramente «racial»: negros votam no ANC, brancos e mestiços votam na Aliança Democrática.
Em menos de 20 anos, Nelson Mandela, presidente da República entre 10 de Maio de 1994 e 14 de Junho de 1999, e os seus sucessores, Thabo Mbeki (1999-2008) e Jacob Zumba (desde 2009), transformaram um país que foi em tempos uma excrescência europeia na extremidade austral do continente africano num Estado de «terceiro mundo» à deriva num oceano de carências, corrupção, miséria social e violência, realidade em parte ocultada por alguns sectores de grande desempenho, mas cada vez mais reduzidos, na maior parte dirigidos por brancos.
Poderia ser de outra forma quando a ideologia oficial é baseada na rejeição da realidade, no mito da «nação arco-íris»? Esse «chamariz» destinado à imbecilidade ocidental impede ver que a África do Sul não constitui uma nação, mas antes um mosaico de povos reunidos pelo colonizador britânico, povos cujas referências culturais são estrangeiras, e em alguns casos irreconciliáveis, para uns e outros.
O culto planetário e quase religioso que hoje foi prestado a Nelson Mandela, o hino ultrajante cantado por políticos oportunistas e jornalistas incultos ou formatados não vai mudar esta realidade."
Bernard Lugan
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
A lição de Codreanu
«Um chefe legionário dirá: "não prometemos dinheiro, mas prometemos justiça. Não prometemos fazer algo por ti, mas prometemos actuar e lutar pela nossa terra. Quem quiser lutar pela justiça e pela honra do país, quem quiser actuar pela sua pátria, quem quiser sacrificar-se a nosso lado, que venha connosco".»
Corneliu Zelea Codreanu
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
O fermento das minorias
«A desigualdade individual origina no plano social uma divisão entre fortes e fracos, já constatada por Duguit. Os fortes capturam os poderes sociais (político, ideológico, económico) e governam a maioria da população. É o fenómeno das elites dirigentes e dominantes, da hierarquia, que tão bem evidencia a análise da sociedade animal. A reflexão mais desapaixonada sobre esta matéria foi efectuada pela escola sociológica italiana, com Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca e Roberto Michels. Estes autores provaram a perenidade da minoria, a minoria poderosa, que impõe a sua vontade sobre a maioria dando-lhe a impressão de ser ela a decidir e a governar.
Analisando a sociedade e o homem tal como eles são, estes autores anteciparam-se de quase meio século às realidades científicas do nosso tempo. Identificaram correctamente os detentores do poder real e formularam as leis segundo as quais decorre a disputa da força. Identificaram igualmente as justificações mais ou menos elaboradas que a minoria criou para o seu poderio e chamaram-lhe fórmula política. Dizer que o poder lhe vem de Deus, ou do Povo, ou que é do autocrata a título de conquista, são tudo razões óptimas desde que operem e cumpram a sua função justificativa. Acontece que hoje as fórmulas políticas são as ideologias e nelas não há, como se viu, o menor grão de credibilidade. Está por nascer a fórmula política do nosso tempo, que reduza democracia e socialismo, social-democracia e marxismo, a meros trastes velhos da história da pulhice do homo sapiens.
Os autores que situam correctamente estes problemas numa análise neomaquiavelista são poucos. Todos ainda preferem as visões românticas e penetradas pela ideologia, justificativas em última análise do poder da minoria actuante ou da minoria que aspira ao poder. Contudo, com o desaparecimento desses grandes vultos do pensamento político, não é menos certo que ficaram certos autores que importa conhecer e que reflectem, na Teoria Política, a revolução intelectual a que se assiste noutros campos do saber. Carl Schmitt, o velho professor alemão, James Burnham, Wright Mills e Julien Freund, chegam para assegurar um exercício impecável em matéria de realismo político e transparência de concepção.
As minorias, portanto, longe de se confundirem com a multidão, são pela sua organização e coerência o único fermento social de mudança e poder. Só caem para ceder o lugar a outras, de modo que a História não passa de um velho e enorme cemitério de oligarquias. A lei de ferro da oligarquia, formulada por Michels, apenas se faz eco desta constatação empírica, tão desagradável aos doentes do igualitarismo acéfalo, fervorosos crentes no alibi da tábua rasa.»
António Marques Bessa
in "Ensaio sobre o Fim da Nossa Idade", Edições do Templo (1978).
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
"A morte por uma convicção é a suprema perfeição"
"Sim, o soldado, na sua relação com a morte, no sacrifício da sua própria pessoa por uma ideia, ignora praticamente tudo dos filósofos dos seus valores. Mas nele, e nos seus actos, a vida encontra uma expressão mais pungente e mais profunda do que qualquer outra que possa existir num livro. E de toda a falta de senso do seu processo exterior perfeitamente insensato, ressalta uma verdade radiosa: a morte por uma convicção é a suprema perfeição. É proclamação, acto, realização, fé, amor, esperança e fim: é, neste mundo imperfeito, algo de perfeito, a perfeição sem rodeios. A causa não tem importância, tudo está na convicção. Pode-se morrer bem, mergulhado num erro indiscutível: é o que se pode fazer de maior. O aviador de Barbusse bem pode ver, longe, lá em baixo, dois exércitos ajaezados, pedirem a um único Deus a vitória da sua justa causa. Um ou outro, seguramente, e talvez mesmo os dois, arvoram um erro nas bandeiras; e contudo Deus acolhê-los-á a ambos, com um mesmo abraço, no seu ser. A loucura e o mundo são apenas um, e quem morrer por um erro nem por isso deixa de ser um herói."
Ernst Jünger
in “A Guerra como Experiência Interior”, Ulisseia (2005).
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
"Os pobres foram rebeldes, mas nunca foram anarquistas"
"— As simples massas! — repetiu o seu novo amigo com um rosnido de desprezo. — Você fala das massas e das classes trabalhadoras como se fossem elas o problema. Deixou-se apanhar por essa eterna ideia imbecil de que a anarquia, se vier a instaurar-se, será instaurada pelos pobres. Porque seria assim? Os pobres foram rebeldes, mas nunca foram anarquistas; têm mais interesse do que quaisquer outros na existência de um governo decente. Um homem pobre está realmente apostado no seu país. O rico, não: pode meter-se num iate e partir para a Nova Guiné. Os pobres recusaram-se por vezes a deixar que os governassem mal; os ricos recusaram-se sempre a ser governados. Os aristocratas foram sempre anarquistas, como pode ver se pensar nas guerras dos barões."
G.K. Chesterton
in "O Homem Que Era Quinta-Feira — Um Pesadelo", Relógio D'Água Editores.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
Holodomor — o genocídio da Ucrânia
"A Ucrânia — a palavra em ucraniano quer dizer ‘Terra de Fronteira’ — é um país na charneira da Europa Central com a Rússia. Recuperou a sua independência no desfazer da União Soviética e, nessa ocasião, trocou o azul e encarnado com a estrela, a foice e o martelo, de bandeira da República Socialista da URSS, pela bandeira azul e amarela.
O azul significa o céu, o amarelo o trigo das estepes, símbolo da terra fértil que faz da Ucrânia o celeiro do império russo. Com este passado parece absurdo que, há precisamente oitenta anos, no Outono-Inverno de 1933, o país e o seu povo tivessem sido vítimas de uma das mais terríveis fomes do século XX.
Holodomor — ‘morte pela fome’ — foi assim que ficou conhecida essa terrível praga que matou cerca de sete milhões de pessoas. Mas como é que uma região riquíssima agricolamente — antes e depois (hoje é um grande exportador de cereais) — chegou aí?
Os responsáveis são dois — um sistema de ideias e um homem — o colectivismo socialista e Estaline. Os princípios marxistas-leninistas de desenvolvimento económico, implantados depois da revolução de 1917 e da vitória bolchevique na guerra civil, priorizavam a colectivização da agricultura: houve, no princípio, a supressão dos grandes latifúndios, mas em 1922, com a Nova Política Económica, as terras nacionalizadas foram apropriadas às centenas de milhares de kulaks, o nome pejorativo dos pequenos proprietários autónomos que recorriam ao emprego de outros.
Segundo Robert Conquest, no seu clássico The Great Terror, «a colectivização destruiu cerca de 25% da capacidade produtiva da agricultura soviética». Mas na Ucrânia tudo foi pior: as colheitas foram confiscadas para exportação e os produtores e suas famílias deixados morrer à fome. Aqueles que resistiam, escondiam grão ou gado, ou em desespero tentavam subtrair alimentos das granjas colectivas, eram presos, enviados para os campos de concentração da Sibéria ou executados no local. Brigadas de comunistas devotos, enquadrados pela GPU (polícia política soviética), percorriam a Ucrânia, saqueando e queimando aldeias, casas e propriedades dos ‘inimigos do povo’.
«Os homens morriam primeiro, depois as crianças, no fim as mulheres», escreveu um contemporâneo. Os poucos documentos fotográficos e fílmicos são tenebrosos.
Foi um caso claro de genocídio deliberado e executado por razões ideológicas e deve ser encarado não apenas como o produto da crueldade racional ou paranóica de um homem — Estaline — mas como o resultado natural de um sistema de ideias de um modelo político-social.
Um sistema que, por todo o mundo do século XX, produziu alguns dos maiores desastres da História da Humanidade. Sete milhões de ucranianos, numa população de trinta milhões perderam a vida. O Governo soviético ocultou o genocídio e para isso teve a cumplicidade não só dos comunistas de toda a Europa, mas também das esquerdas, desconfiadas do que lhes parecia uma campanha reaccionária.
A Rússia era então o único país comunista do mundo. Álvaro Cunhal, o futuro líder do PCP, tinha 20 anos."
Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 22 de Novembro de 2013.
domingo, 1 de dezembro de 2013
Não esquecemos o 1º de Dezembro
"No momento em que Portugal está a caminho de ficar sob tutela internacional, que outro espírito pode e deve e tem, necessariamente, de animar-nos (e cada vez mais, daqui por diante), senão aquele puro espírito que, na manhã de 1 de Dezembro de 1640, conduziu este Povo à restauração da independência nacional, ao cabo de sessenta anos de presúria e de ocupação estrangeiras?!...
Atentaram mortalmente contra o território, invadiram-nos a alma e o pensamento. Dir-se-ia que fomos acometidos de uma amnésia de quinhentos anos de passado glorioso."
Manuel Maria Múrias
in "A Rua", n.º 35, pág. 1, 02.12.1976.
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