segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
As crises e os homens
"Muitos dos grandes responsáveis dos tempos que correm, estonteados e desconcertados pelo ambiente da crise, de incerteza, de apreensão, mostram-se, de facto, incapazes de definir um pensamento claro e de manter uma linha de firmeza e de coerência. Fraquejam diante da tormenta que os cerca. Dia a dia, hora a hora, vemo-los oscilar, contradizer-se, desmentir-se. Não têm a coragem necessária para escapar à tirania de velhos mitos desacreditados, nem para traçar, entre os problemas e ameaças do momento o seu caminho. O drama europeu e universal a que assistimos resulta, sobretudo, dessa inferioridade dos grandes responsáveis: — competia-lhes impor-se aos acontecimentos e deixam-se afinal arrastar e dominar por eles..."
João Ameal
Mikis Mantakas, presente!
O atentado incendiário que custara a vida aos irmãos Mattei, executado em Fevereiro de 1973 por operacionais ligados às Brigadas Vermelhas e que ficou conhecido como incêndio de Primavalle, estava ainda bem fresco na memória de todos. Na sequência de protestos relacionados com o julgamento, uma centena de militantes de extrema-esquerda prepara-se para assaltar a sede local do MSI (Movimento Sociale Italiano) na Via Ottaviano. Entre os defensores da sede, encontra-se Mikis Mantakas, estudante grego de 22 anos, matriculado em Medicina e membro do FUAN (Fronte Universitario d'Azione Nazionale). Numa tentativa de controlar a entrada do edifício, é atingido com dois tiros de calibre 38 na cabeça. Morre após duas horas de agonia. É o dia 28 de Fevereiro de 1975.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Igualitarismo vs. Etologia
«Uma perspectivação biológica do comportamento humano do nosso tempo só pode contrariar as doutrinas de repercussão mundial. E a doutrina simplificada dos reflexos condicionados faz tudo o que pode para destruir as adversas. Esta doutrina — chamo-lhe pseudodemocrática — tem profundas raízes e é muito perigosa. De facto, uma teoria que postula que o homem não é mais que o produto do meio é confortável para toda a gente. Os cidadãos assim igualizados são tão bem-vindos ao capitalismo americano, que procura o consumidor padrão, como ao totalitarismo vermelho que quer um cidadão sem ideias.
Se, segundo Freud, estudarmos com atenção as reacções mentais e emocionais que os behavioristas têm contra tudo o que não seja reflexos condicionados, descobriremos a ideologia subjacente a todas as doutrinas políticas da actualidade. O tratamento e controlo de largas massas assentam na presunção errónea de que não há programa psicogenético. Este ponto de vista igualitário é completamente contrário a toda a evidência biológica.
Nas sociedades humanas a divisão do trabalho é fundada numa diferença, numa desigualdade dos membros da sociedade, que por si só pressupõe uma tentativa de demonstrar a justiça de uma sociedade composta por elementos manipuláveis e intermutáveis. Por outras palavra: o melhor dos mundos possíveis para tiranos russos ou monopolistas americanos. Os adversários da Etologia acusam-nos muitas vezes de ser antidemocratas, já para não dizer racistas, e rodeiam a sua própria doutrina com o halo da democracia. Ora, o fenómeno foi analisado por um escritor americano, Philip Wylie. Ele afirma que a doutrina pseudodemocrática frui a sua força de uma verdade que foi transformada numa mentira. A verdade é que todos os homens devem ter as mesmas possibilidades para desenvolver cabalmente as suas capacidades. Mas quem é que jamais negou isto? Esta verdade indisputável é torcida um pouco e eles proclamam: "se todos os homens têm as mesmas possibilidades, todos os homens serão seguramente iguais". E isto não é verdade. É absolutamente falso, porque todos os homens são desiguais desde o momento da concepção. Porém há a pretensão de que a igualdade é uma chave, o sine qua non da vida colectiva — o que também é falso. Tanto quanto diz respeito aos manipuladores de massas, o cão de Pavlov ainda é o cidadão ideal.
Hoje em dia já se sente uma certa hostilidade contra a elite intelectual em certos estudantes contestatários. Ora, o igualitarismo — não tenhamos dúvidas — que proíbe um homem de ser mais inteligente que a média, é a morte de todo o desenvolvimento intelectual.»
Konrad Lorenz
sábado, 26 de fevereiro de 2011
O Homem Que Era Quinta-Feira
O Homem Que Era Quinta-Feira
G.K. Chesterton
Relógio D` Água
192 Páginas
Num artigo publicado um dia antes da sua morte, G. K. Chesterton considerou O Homem Que Era Quinta-Feira, publicado em 1907, «um tipo de devaneio bastante melodramático». Na sua Autobiografia de 1936 afirmara tratar-se de um pesadelo «não das coisas tal como existem, mas como pareciam ser ao semipessimista da década de 90».
O livro tem sido considerado a obra-prima de Chesterton. Embora seja muitas vezes considerado um thriller metafísico ou um pesadelo teológico, desafia, na verdade, toda e qualquer classificação. Numa Londres fantasmagórica, os polícias são poetas, os anarquistas não são o que parecem. A narrativa tem a ver com o ambiente de final do século XIX e o terror das conspirações anarquistas. Mas, como muitas vezes acontece com as criações de Chesterton, o mistério acaba por envolver enigmas teológicos, a liberdade da vontade e a existência do mal sob a forma do irracional.
O protagonista Gabriel Syme é um poeta empenhado na luta contra o caos, que foi recrutado pela secção contra-anarquista da Scotland Yard. Um dia um poeta anarquista com quem discutira poesia e os méritos da previsibilidade leva-o a uma reunião local para provar que é um autêntico anarquista. É então que Syme consegue ser eleito como representante local para o Concelho Central de Anarquistas, integrado por sete homens, cada um deles com um nome de um dia da semana e vestes a condizer. Domingo é o mais misterioso de todos, afirmando que «desde o princípio do mundo que todos os homens me têm perseguido como se caçassem um lobo: os reis e os sábios, os poetas e os legisladores, todas as igrejas, e todas as filosofias. Mas nunca me apanharam ainda, e os céus hão-de cair sem que eu tenha sido encurralado». E a verdade é que consegue abalar as convicções de Syme numa Ordem Universal.
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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Ó horror, horror, horror!
«Hoje, os insignificantes tornaram-se os senhores, todos pregam a resignação, a acomodação, e a prudência e a aplicação, e as considerações, e todo o extenso et caetera das virtudes miúdas.
Os homens efeminados, os filhos dos escravos e sobretudo a populaça mestiçada, tudo isso quer agora assenhorear-se do destino humano — ó horror, horror, horror!
Eis os que procuram e se inquirem sem descanso: «Como conservar o homem o mais tempo possível, o melhor possível, com mais agrado?» São assim os senhores da hora.
Será necessário subjugar estes senhores da hora, estes insignificantes, ó meus irmãos. São para o Super-humano o pior dos perigos.
Superai, peço-vos, Homens superiores, estas miúdas virtudes, estas pequenas astúcias, estes escrúpulos do tamanho de um grão de areia, este bulício de formigas, esta miserável satisfação de si, esta "felicidade do maior número"!»
Friedrich Nietzsche
in "Assim Falava Zaratustra", Guimarães Editores (2004).
Consumismo
"O capitalismo pretende comunizar o consumo tornando-o igualitário. A ideia de standardização não quer dizer outra coisa. É necessário pensar para além do capitalismo e do comunismo".
Drieu la Rochelle
in "Genève ou Moscou" (1928).
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
«Ainda espero outro fim para o meu país»
"O erro dos moderados foi terem esperado fazer uma política das classes médias. A classe média tem virtudes, mas não seria capaz de ter uma política. Lançada na oposição, perdeu lá a segurança para ela inseparável da obediência ao poder estabelecido, seja ele qual for. Ao primeiro sinal de um senhor estrangeiro, deita-se de costas e abre as pernas: «Tomai-me, tornai-me feliz!» Ainda espero outro fim para o meu país."
Georges Bernanos
in "Os grandes cemitérios sob a Lua", Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1988.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
O dilema democrático
"O Ocidente foi apanhado de surpresa nesta vaga de contestação a alguns regimes islâmicos. Encoraja mudanças desde que não belisquem os seus interesses.
A democracia é e sempre foi uma ideologia e um regime político de caracterização complexa. Hoje é ainda mais, na medida em que se tornou a ideologia e o regime monopolizadores do apreço e da rectidão política, a que aspiram todos os governos da terra .
No tempo da Guerra Fria, as ditaduras partidárias comunistas autodenominavam-se democracias populares. Nos nossos dias um vasto leque de regimes que estão longe de respeitar os direitos e garantias individuais e a propriedade dos seus cidadãos, também se intitulam democráticos. Como outros que ostensivamente manipulam eleições e despacham os seus adversários através de esquadrões da morte.
Uma das razões desta confusão está na ambiguidade do próprio conceito: das duas tradições democráticas, uma, a anglo-saxónica, privilegiou a protecção dos direitos individuais, a liberdade e as liberdades dos indivíduos perante o Estado. É a democracia segundo Locke, Adam Smith, os Whigs ingleses, os Founding Fathers americanos, a Gloriosa Revolução de 1688.
A outra democracia é a do governo de maioria, a democracia igualitária, de Rousseau e da vontade geral. Definida esta vontade geral e popular por maioria de votos, os governantes eleitos são como monarcas absolutos, podem fazer o que lhes der na gana. É a democracia totalitária, identificada por Talmon, praticada pela Revolução Francesa, talvez com alguma glória, mas sobretudo com muito sangue.
As revoltas populares no mundo islâmico, do Magreb ao Médio Oriente vêm pedindo o fim de uma série de regimes pessoais ou familiares, caracterizados pelo autocratismo, inamovibilidade e personalização do poder e pela corrupção. Aquilo a que alguns chamam cleptocracias.
Esta vaga popular está a atingir uma larga faixa do mundo islâmico, até aqui imune ao contágio democrático, da Argélia ao Irão, da Líbia ao Bahrein, do Egipto ao Yemen.
Como sempre, os ocidentais, Europa e Estados Unidos, além de serem surpreendidos são contraditórios nas reacções. Praticaram, durante muito tempo, uma Realpolitik de Estado, mantendo relações normais, quando não-amigas, com os governos existentes. Quando a crise rebentou, tiveram atitudes ambíguas: por um lado, um discurso emotivo e populista, por outro, debitavam cautelosos avisos à navegação, no sentido de que tudo vai bem, escolham democraticamente quem quiserem, mas cuidado não vos venha à cabeça escolher fundamentalistas islâmicos...
Não é preciso ser Aristóteles ou Russell, para perceber o contraditório desta prevenção embora, se considerarmos a ambiguidade do conceito de democracia que expusemos acima, ela pode explicar-se.
A mensagem contida nos avisos de Washington e da UE será no sentido de que não se poderiam escolher - democraticamente (no sentido rousseauniano) - forças políticas que não sejam democráticas (no sentido anglo--saxónico) que não garantam a protecção dos direitos individuais pré-políticos e anteriores à própria Constituição. E subentenda-se, sejam hostis a Washington e a Israel. Foi aliás na base desta filosofia, pressupondo que o povo infalível se possa enganar às vezes, que o Ocidente, de Paris a Washington, cobriu o congelamento, pelos militares argelinos, das eleições de 1992, que deram a vitória aos religiosos.
Só que, desta vez, a força e a velocidade das coisas são muito maiores e vai ser difícil explicar aos povos do mundo islâmico estas subtilezas conceptuais. Abriram-se portas que não se podem fechar e a democracia condicionada e vigiada nem sempre acontece, como gostariam os optimistas."
Jaime Nogueira Pinto
in i, n.º560, 21 Fevereiro 2011.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Raízes do Espírito
«Os homens só existem pelo que os distingue: clã, linhagem, história, cultura, tradição. Não há uma resposta universal às questões da existência e do comportamento. Cada povo dá as suas respostas, sem as quais os indivíduos, homens ou mulheres, privados de identidade e de modelos, são precipitados numa perturbação sem fundo. Como as plantas, os homens não podem prencindir de raízes. Mas as suas raízes não são apenas as da hereditariedade, às quais se pode ser infiel; são também as do espírito, isto é, da tradição que cabe a cada qual reencontrar.»
Dominique Venner
in "O Século de 1914. Utopias, Guerras e Revoluções na Europa do Séc. XX", Civilização Editora (2009).
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Degrelle e o Rexismo
"Nascido numa família católica tradicionalista, Degrelle foi o fundador e principal dirigente do Rexismo, movimento político belga, fortemente influenciado pela extrema-direita maurrasiana da vizinha França. Nas décadas que antecedeu a II Guerra Mundial, o Rex teve um impacte considerável, nomeadamente em Maio de 1936, quando o movimento conseguiu eleger vinte e um deputados a nível nacional. Nessa época, no entanto, a imagem do Rexismo era menos a de uma formação extremista que a de um movimento de inspiração patriótica e católica, em luta contra a corrupção económica.
Degrelle tinha exposto na imprensa rexista diversos escândalos financeiros que implicavam figuras conhecidas dos círculos políticos e da própria Igreja. Ouvindo-o falar em 1936 dos casos de mandatos parlamentares e acumulações financeiras ilegítimas que denunciava nos anos trinta, do poder dos banksters e da corrupção da hierarquia católica, fica-se com uma visão necessariamente unilateral dos casos da época, mas adquire-se igualmente a convicção de que a sua indignação é genuína, e os escândalos mais que simples expedientes políticos eleitoralistas. Durante as campanhas eleitorais em que Degrelle recolhia fundo levando a cabo meetings de massas em que o ingresso era pago, o Rexismo havia revelado uma forte implantação no proletariado e pequena burguesia. Em 1937, a Igreja adopta uma posição claramente hostil, proibindo o voto nos rexistas.
A derrota eleitoral que se segue é consequência directa do que os rexistas passam a considerar como a traição da hierarquia católica, e marca o início de um resvalar progressivo dos seus dirigentes para posições cada vez mais identificáveis com as doutrinas de cariz fascista, em ascensão por toda a Europa.
Quando em 10 de Maio de 1940, a Bélgica se vê invadida, Degrelle encontra-se em plena travessia do deserto político. O que não impede o Governo belga de proceder à sua detenção, e de o entregar, juntamente com vários correligionários, às autoridades de um país estrangeiro — a França — a fim de ser internado como um vulgar inimigo. Depois de escapar por pouco ao sinistro episódio de Abbeville — em que 21 detidos políticos são assassinados pelas tropas francesas —, Degrelle inicia um périplo por vinte e duas prisões ao qual sobrevive, apesar de bastante maltratado. Uma vez regressado à Bélgica, é recebido pelo Rei em Agosto de 1940, e é pressionado para fazer equipa com o chefe dos socialistas De Man, ex-ministro do Governo que lhe infligira a derrota eleitoral, agora adepto de uma colaboração com a Alemanha.
Os pactos políticos de conveniência, porém não lhe interessam e, em 1941, quando a Alemanha invade a União Soviética, a sua componente aventurosa e o gosto pela acção directa levam-no a alistar-se na Legião de Voluntários Valões. Hitler envia um telegrama nomeando-o tenente. Recusa a oferta, e é como simples soldado raso "para ganhar os seus direitos" que parte com os primeiros voluntários."
António Marques Bessa
domingo, 20 de fevereiro de 2011
É preciso caminhar...
Hoje, o programa Méridien Zéro tem como tema as caminhadas e convida Fanny e Mathilde, que fizeram uma volta à Europa a pé, e Werner, animador do grupo TRACE. A emissão francófona da Radio Bandiera Nera pode ser escutada às 22 horas portuguesas.
sábado, 19 de fevereiro de 2011
Nobre Povo
Nobre Povo – Os Anos da República
Jaime Nogueira Pinto
A Esfera dos Livros
544 Páginas
Na manhã de 5 de Outubro de 1910, em Lisboa, um movimento revolucionário derrubou a Monarquia e proclamou a República Democrática. Jaime Nogueira Pinto faz a crónica de um dos tempos mais agitados, apaixonantes e trágicos da História de Portugal. Um tempo dominado por líderes fortes, polémicos e carismáticos, como o democrático Afonso Costa ou o popular Sidónio Pais, e por idealistas determinados, como Machado Santos ou Paiva Couceiro. Um tempo de costumes pouco brandos, mas muito português, animado por uma luta política e ideológica de razões e convicções fortes, entre livres-pensadores e católicos, republicanos e monárquicos, moderados e radicais, e marcado por conspirações, «intentonas», pronunciamentos militares, golpes de Estado, revoltas e revoluções - com marinheiros nas ruas, militares na política, povo nas trincheiras, padres combatentes e civis armados. Um tempo entre dois tempos, com carros de cavalos e automóveis, caciques e sindicalistas, lanças e canhões, eleições e bombas, conspirações de quartel e de café, mensageiros e telefones, jornalismo político e fraudes financeiras, «acacianos» e futuristas, «talassas» e carbonários. 16 anos, 8 presidentes e 45 governos depois, numa manhã de Maio, um outro movimento revolucionário marchava sobre a capital para lhe pôr fim.
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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Possibilidades ilimitadas
"Enquanto no passado viver significava para o homem médio encontrar em seu redor dificuldades, perigos, escassez, limitações de destino e dependência, o mundo novo aparece como âmbito de possibilidades praticamente ilimitadas, seguro, onde não se depende de ninguém. Em torno desta impressão primária e permanente vai-se formar cada alma contemporânea, como em torno da oposta se formaram as antigas. Porque esta impressão fundamental converte-se em voz interior que murmura sem cessar algo assim como que palavras no mais profundo da pessoa e lhe insinua tenazmente uma definição da vida que é, simultaneamente, um imperativo. E, se a impressão tradicional dizia: «Viver é sentir-se limitado e, por isso mesmo, ter de contar com o que nos limita», a novíssima voz grita: «Viver é não encontrar limitação alguma; portanto, abandonar-se tranquilamente a si mesmo. Praticamente nada é impossível, nada é perigoso e, em princípio, ninguém é superior a ninguém.»"
Ortega y Gasset
in «A Rebelião das Massas», Relógio d'Água.
Um Portugal não tão distante como isso
«Foi logo a seguir ao 25 de Abril. O Rocha, meu condiscípulo de liceu, tinha um tio quarentão que levava uma vida de playboy (a possível para esses meados dos anos 70 em Portugal), graças a uma herança e a ter feito dois "13" no Totobola.
O tio do Rocha era um role model, um ícone, uma referência para todos nós. Vivia de pingues rendimentos, deitava-se à hora a que queria e levantava-se depois do almoço, era tu cá, tu lá, com os jogadores do Benfica, vestia com gosto e andava sempre muito bem acompanhado no capítulo feminino, ia para o estrangeiro quando lhe apetecia e era o invejado dono de um reluzente Mustang e de um deslumbrante Porsche. Toda a gente o conhecia e era popularíssimo no bairro central de Lisboa onde vivia, e ele tinha sempre uma palavra, um cumprimento, uma graça para todos no bairro,
Um dia, o sr. Rocha não saiu à rua. Ninguém estranhou. Ao segundo dia de ausência, as pessoas começaram a achar estranho. Estaria doente? Teria ficado fechado dentro de casa? Teria ido viajar num impulso, como às vezes fazia?
Ao terceiro dia sem o sr. Rocha a tomar a bica ao balcão do café da rua e a cavaquear com moradores e comerciantes, um grupo de vizinhos, o barbeiro do sr. Rocha, o dono do café, um empregado e o polícia de giro arrombaram a porta e foram encontrá-lo nu, semi-inconsciente e coberto de sangue na casa de banho. Tinha escorregado a sair do duche, partido uma perna e fracturado a cabeça. Foi a jacto para o hospital e salvou-se.
Isto aconteceu numa Lisboa e num Portugal não tão distantes de nós como isso. Mas muito, muito diferentes.»
Eurico de Barros
in Diário de Notícias, 12 Fevereiro 2011.
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Viver perigosamente
"Quando não se cultiva o entusiasmo, a dedicação, a mística, então a morte lentamente insinua-se. Precisamos de ver, de novo, glorificados a juvenilidade fogosa, mas leal e firme, a claridade e o sentido comunitário, a arte e a luta, a tradição e a renovação em actualidade. Ezra Pound escreveu nos seus versos para hoje: "Quereis saber do que falo? Armas, livros e homens de génio excepcional". Pois esse ideal e esse modelo exigimos que nos restituam: a arte, a cultura; o espírito de sacrifício, disciplina e luta; a personalidade de excepção. Não o bronzeado da praia, en beauté, não a caça às estrangeiras, não o dancing, não mais uma passeata de automóvel, não o indiferentismo do quotidiano, mas sim a vida a sério, a vida espírito, a vida demanda do santo Graal, a vida amor."
Goulart Nogueira
A mundialização não é inevitável
«O maior perigo neste momento é a passividade. Apresentam-nos a mundialização como uma tendência inevitável, dizem-nos que depois do fracasso do socialismo, o capitalismo e a lei de mercado é a única via possível. Nada disto é verdade. Sem conhecer todas as soluções aos problemas sociais e ambientais com que nos deparamos, sem ter uma visão precisa do que será a sociedade ideal. Há certamente outras vias de acção que permitam o progresso para uma eco-sociedade, uma sociedade em que os humanos vivam em harmonia entre eles e a natureza. Em suma, trata-se de abolir a submissão à economia e criar uma sociedade que favoreça o bem-estar completo de todos os seus membros.»
Serge Mongeau
in "Vers la simplicité volontaire".
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
1961, o annus horribilis
«Lembro-me perfeitamente do meu 4 de Fevereiro de 1961: foi um sábado, no Porto, estava no 5.o ano do Liceu D. Manuel II e fazia anos. Almocei em casa com os meus pais e fui ao cinema.
Depois comprei o "Diário do Norte" que, na primeira página, trazia a notícia do assalto às esquadras da polícia e à cadeia de S. Paulo em Luanda. Nesse dia começou a Guerra (do Ultramar, Colonial ou de África, deixo às convicções ou ao hábito do leitor).
Ia ser um ano decisivo para Portugal, para Salazar e para o seu regime: um ano em que se concentrariam todas as forças hostis, externas e internas; e de todos os modos possíveis - pela conspiração, pela força, e até através de originais e espectaculares acções de pirataria e desvio de aviões, em que a "oposição democrática" doméstica foi pioneira.
O annus horribilis do Estado Novo começou em 23 de Janeiro, com o assalto ao Santa Maria, na rota de Curaçau para Everglades (Florida), por Henrique Galvão e o seu grupo luso-espanhol; depois, a 4 e 11 de Fevereiro, foram os ataques dos independentistas em Luanda; a 15 de Março foi o grande massacre no Norte de Angola, levado a cabo pela UPA, de Holden Roberto, que matou cerca de dez mil pessoas, uns mil brancos e uns nove mil negros; a 13 de Abril foi o golpe palaciano de Botelho Moniz e o contragolpe de Salazar - também portas adentro - que resolveu o problema, demitindo em tempo útil os conspiradores apoiado na cobertura militar dos paras de Kaúlza de Arriaga.
Em 10 de Novembro foi desviado um avião da TAP, da carreira Casablanca-Lisboa, por um comando chefiado por Palma Inácio, que lançou milhares de panfletos anti-situação sobre Lisboa. A 10 de Dezembro, fugia um grupo de comunistas de Caxias, num Chrysler Imperial blindado. O carro era destinado ao serviço de Salazar, que o usava pouco. Aliás, fugia-se com regularidade das prisões fascistas - Cunhal e mais nove camaradas tinham escapado de Peniche, a 3 de Janeiro de 1960.
A 17 de Dezembro, as tropas da União Indiana invadiram os territórios da então Índia Portuguesa e a 19, o General Vassalo e Silva rendeu-se. A 31 de Dezembro, foi o assalto ao quartel de Beja, por elementos da oposição armada. Sem sucesso, mas morreu o sub- -secretário de Estado do Exército - Jaime Filipe da Fonseca.
Para a reconstituição deste ano-chave de 1961, além da memória, recorri ao livro "António de Oliveira Salazar - Uma Cronologia"*, de Fernando de Castro Brandão. O autor dedicou-se, com paciência, aplicação e rigor, a ler, decifrar e copiar, as agendas de Salazar, reconstituindo, a partir delas, o dia-a- -dia do chefe do governo, num documento a partir de agora indispensável para o estudo da época. Esta "cronologia" é uma - outra - biografia de Salazar e uma história do Estado Novo, no seu dia-a-dia, sobretudo nesta década de sessenta. Um tempo em que Portugal era um país isolado ou marginalizado por uma parte da comunidade internacional, mas um país importante, que vinha nos noticiários sem ser pelos leilões da dívida, pelos riscos de bancarrota ou pelos casamentos de militares do mesmo sexo.
Duas citações de Salazar, tiradas da "Cronologia". Uma é de 9 de Abril de 1966:
"Os meus dias são tão parecidos uns com os outros que chego a ter uma certa dificuldade em precisar as datas."
A outra é de 13 de Abril de 1961, na ressaca da Abrilada dos generais:
"O que eles não querem é bater-se. E isso já vem de trás... A mim o que me pode acontecer é apanhar um tiro, mas eles serão uma província de Espanha."»
Jaime Nogueira Pinto
in i, n.º554, 14 Fevereiro 2011.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Conservador revolucionário
"Para o verdadeiro conservador revolucionário o que importa realmente é ser-se fiel não às formas e às instituições passadas, mas antes aos princípios de que tais formas e instituições foram expressões particulares, inseridas num período de tempo específico e numa determinada área geográfica."
Julius Evola
in "Los Hombres y las Ruinas", Ediciones Heracles.
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
The show must go on
"Através de recursos cada vez mais eficazes de manipulação da mente, as democracias transformarão a sua natureza; as velhas formas pitorescas — eleições, parlamentos, Supremos Tribunais e tudo o mais — subsistirão. A sua essência será um novo tipo de totalitarismo não-violento. Todos os nomes tradicionais, todos os slogans consagrados permanecerão tal e qual como nos velhos tempos; a democracia e a liberdade serão os argumentos de todas as emissões radiodifundidas e de todos os editoriais (…). Entretanto, a oligarquia dirigente e a sua altamente treinada “elite” de soldados, polícias, forjadores de pensamento e manipuladores de cérebros conduzirão tranquilamente o espectáculo como lhes apetecer."
Aldous Huxley
in "Regresso ao Admirável Mundo Novo" (1959).
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Méridien Zéro e o Mundialismo
Hoje, o programa Méridien Zéro tem como tema as raízes anglo-saxónicas do Mundialismo. A emissão francófona da Radio Bandiera Nera pode ser escutada às 22 horas portuguesas.
sábado, 12 de fevereiro de 2011
Viagem ao Fim da Noite
Viagem ao Fim da Noite
Louis Ferdinand Céline
Ulisseia
464 Páginas
Viagem ao Fim da Noite é uma das obras-primas da literatura universal do século XX. Torrencial e desesperado, este romance foi saudado, na época, como um grande fresco das misérias da condição humana e como um exemplo de uma nova consciência da esquerda. Formosa ironia, com efeito. Poucos anos volvidos, a intelligentsia progressista arrepender-se-ia do seu prematuro entusiasmo, face à surpresa de sentido inverso que representaram Morte a Crédito e, muito principalmente, Bagatelles pour un Massacre. Falou-se então de fascismo e de infâmia a propósito do comportamento de Céline durante a ocupação alemã. A ambiguidade, porém, nem por isso se tinha desvanecido. Este homem, acusado de ter sido o mais feroz anti-semita das letras francesas, foi também dos primeiros a denunciar os ridículos do militarismo e os crimes da exploração colonial. De modo que, pondo de parte as querelas apesar de tudo insignificantes da ideologia, talvez ninguém melhor do que Georges Bataille se tenha apercebido do real significado deste romance: "podemos considerá-lo como a descrição das relações que um homem mantém com a sua própria morte (…), que não difere fundamentalmente de uma meditação monástica perante uma caveira".
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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
O terceiro inimigo
"O terceiro inimigo é político. Isso é representado pelo vector da oligarquia e da globalização. Enquanto tal este inimigo pode mudar de rosto com o passar dos anos, mas hoje é claramente identificável.
«Para os Estados Unidos, o prémio político mais importante é representado pela Eurásia. Durante cinco séculos, o cenário mundial foi dominado por potências e nações euroasiáticas que se combatiam reciprocamente para conquistar o domínio regional e apontar ao poder global. Hoje, a proeminência na Eurásia é apanágio de uma potência que não é euro-asiática, e o primado global da América está directamente ligado à duração e eficiência da sua supremacia naquela área continental».
Com estas palavras, Brzezinski punha a claro o objectivo estratégico dos Estados Unidos.
Depois disso todas as operações internacionais da Casa Branca apontaram somente a uma coisa: dividir, ensanguentar, estrangular e submeter a região euro-asiática. Já não é possível não o ver, qualquer cidadão de qualquer país euro-asiático está perante uma encruzilhada. Se acredita na liberdade e na independência, se possui um mínimo de dignidade e orgulho, deve ser, antes de tudo, anti-americano. Qualquer que seja a razão que o leve a mitigar ou colocar em dúvida este postulado fundamental faz dele, ao mesmo tempo, um servo e um traidor à sua gente, aos seus antepassados e aos seus descendentes.
Sic et simpliciter."
Gabriele Adinolfi
O Europeu
"Se por ver o nome de George Clooney associado a um filme sobre um assassino profissional acha que encontrará em “O Americano” o habitual filme de acção de Hollywood, desengane-se. Este não é para as meninas que querem ver o galã, nem para os meninos que querem ver o engatatão. A frieza da sequência original, passada apropriadamente no clima gélido da Suécia, mostra que vamos entrar num mundo diferente.
Para sair dos ‘clichés’ cinematográficos deste género, a escolha do realizador não podia ter sido mais acertada. Anton Corbijn é um fotógrafo aclamado, desde há muito tempo ligado ao meio musical, que realizou vários telediscos e em 2007 nos concedeu uma verdadeira dádiva intitulada “Control”. Um filme fenomenal que é um relato tocante sobre o malogrado Ian Curtis, vocalista do grupo musical Joy Division, onde Corbijn revelou a sua mestria no grande ecrã.
É por isso que este “americano” é mesmo um “europeu”, com planos prolongados, sequências lentas, economia de diálogos e ausência de música desnecessária. Este último aspecto é bastante importante, já que confere ao filme uma dimensão muito diferente daqueles que na sua banda sonora desprezam o poder do silêncio. Em tudo isto há um ambiente ‘dark’, muito bem conseguido, que nos transporta a alguns ‘thrillers’ dos anos 70 do século passado. Nota ainda para o óptimo aproveitamento das magníficas paisagens da região de Abruzzo, opondo ao facilitismo de uma visão turística um olhar da terra.
Jack (George Clooney) é um assassino profissional em fuga que encontra esconderijo numa pacata povoação italiana. Durante o tempo que aí passa, começam a despertar dúvidas existenciais. Como lhe diz o seu enigmático protector num dos diálogos, “não costumavas ser assim”. Mas este homem duro e marcado por uma vida implacável e solitária tem ainda um trabalho, que deseja ser o último. Desta vez não tem que matar, mas transformar uma carabina para um assassinato que será cometido por outro. Aqui começa a revelar-se um artesão, um homem atento ao pormenor, ao mesmo tempo que a relação com uma prostituta evolui num sentido amoroso. Clooney encarna esta personagem com um desempenho profundo, a contrastar com os seus trabalhos mais ligeiros.
Apesar de este ser um filme substancialmente diferente, onde há Clooney tem que haver mulheres. Mas aqui, as três ‘belle’ que aparecem estão na casa dos trinta e, ao contrário da “beleza” artificial tão em voga, reflectem tipos europeus.
Uma das críticas que li e que reconheço é a do fraco argumento. No entanto, nem mesmo isso afecta grandemente a obra, porque por vezes há histórias na (de?) vida que são previsíveis e iguais a tantas outras. Um filme a apreciar."
Duarte Branquinho
in "O Diabo", 30 de Novembro de 2010.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
A Sociedade do Espectáculo
"O espectáculo, compreendido na sua totalidade, é ao mesmo tempo o resultado e o projecto do modo de produção existente. Ele não é um suplemento ao mundo real, a sua decoração readicionada. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares, informação ou propaganda, publicidade ou consumo directo de divertimentos, o espectáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação omnipresente da escolha já feita na produção, e o seu corolário o consumo. Forma e conteúdo do espectáculo são identicamente a justificação total das condições e dos fins do sistema existente. O espectáculo é também a presença permanente desta justificação, enquanto ocupação da parte principal do tempo vivido fora da produção moderna."
Guy Debord
in "A Sociedade do Espectáculo" (1967).
Minorias e maiorias
"A verdade, a decisão, o empreendimento, saem do menor número; o assentimento, a aceitação, da maioria. É às minorias que pertencem a virtude, a audácia, a posse e a concepção."
Charles Maurras
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
Imigração
«(...) Os partidos políticos especializados na denúncia anti-imigração não são mais que partidos ideológicos pequeno-burgueses, que tentam capitalizar sobre os medos e as misérias do mundo actual praticando a política do bode expiatório. A experiência histórica mostrou-nos ao que conduzem tais tocadores de flauta! É necessário distinguir aqui a imigração dos imigrantes. A imigração é um fenómeno negativo, pois é ela própria fruto da miséria e da necessidade e os problemas sérios que coloca são bem conhecidos. É assim preciso tentar, se não suprimi-la, que o carácter demasiado rápido e maciço que a caracteriza hoje em dia seja o menor possível. É bem evidente que não resolveremos os problemas do Terceiro Mundo convidando as suas populações a vir em massa instalar-se nos países ocidentais! Ao mesmo tempo, temos que ter uma visão mais global dos problemas. Crer que é a imigração que atenta principalmente contra a identidade colectiva dos países de acolhimento é um erro. O que atenta contra as identidades colectivas é, em primeiro lugar, a forma de existência que prevalece hoje em dia nos países ocidentais e que ameaça estender-se progressivamente ao mundo inteiro. Os imigrantes não têm culpa que os europeus já não sejam capazes de dar ao mundo o exemplo de um modo de vida que lhes seja próprio! A imigração, deste ponto de vista, é uma consequência antes de ser uma causa: ela constitui um problema porque, face aos imigrantes que normalmente conservam as suas tradições, os ocidentais já decidiram renunciar às suas. A americanização do mundo, homogeneidade dos modos de produção e de consumo, o reino da mercadoria, a extensão do mercado planetário, a erosão sistemática das culturas pelo efeito da mundialização corroem a identidade dos povos muito mais que a imigração. (...)»
Alain de Benoist
in "C'est-à-dire", Les Amis d'Alain de Benoist (2006).
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
Ludismo
Ludismo é o termo utilizado para classificar a atitude daqueles que estão contra a inovação tecnológica. Essa atitude de resistência à mudança possui diversas motivações. A principal razão invocada é a ameaça de desumanização que, de acordo com os luditas, a inovação tecnológica implica. O termo ludismo reporta-se, originalmente, a um movimento social organizado contra a tecnologia que teve lugar nos princípios da Revolução Industrial, no século XIX, entre 1811 e 1816, em Inglaterra. Deram-se, então, uma série de motins levados a cabo por parte dos membros do movimento. Essas manifestações eram geralmente agressivas e violentas, culminando frequentemente na destruição de maquinaria têxtil. Esses actos hostis eram justificados pela consideração, por parte desses grupos, que a introdução e generalização da maquinaria têxtil iria contribuir, inevitavelmente, para o desemprego em massa.
Por vezes, fala-se de neo-luditas e de Neoludismo para falar das atitudes das pessoas e dos grupos sociais que revelam atitudes de grande resistência à introdução de novas tecnologias nas sociedades contemporâneas. Exemplos de pensadores que promovem a rebelião face a um mundo desumanizado e mecanizado são Kirkpatrick Sale, autor do livro «Rebels Against the Future», e Theodore Kaczynski, mais conhecido como Unabomber.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Homem-comunidade
"Porque o homem cabal e essencialmente se converteu em sujeito, precisamente nessa medida é que importa expressamente perguntar-lhe se, como homem, quer e deve ser o eu limitado ao seu capricho, desenfreado em sua arbitrariedade, ou o nós social; se quer e deve ser o homem indivíduo ou o homem-comunidade."
Martin Heidegger
Mais alto!
"O gosto pelos ideais alevantados ergue o homem do domínio da Natureza bruta, liberta-o da escravidão aos instintos e faz com que ele não se reduza à satisfação das necessidades materiais, antes valorize, sobretudo, aquilo onde se reflecte o Bem, a Beleza e a Verdade. Esse gosto é espiritualidade, é a noção de que o Bem, a Beleza e a Verdade estão na luta que travamos para emergir da bruta lei da necessidade, para nos não submetermos à matéria, para nos negarmos ao egoísmo. Esse gosto é a noção de que podemos ser melhores e isso consiste em nos darmos ao que é melhor. Sabendo que a procura e a afirmação destas coisas aparecem em cada um em grau diferente, ficamos a ter consciência de um gradualismo, de uma hierarquia segundo essa procura e afirmação. Os que vão à frente são personalidades excepcionais. Os que mais lutam, que mais renunciam à egoísta satisfação, que correm mais riscos e vencem mais obstáculos — são os heróis. Deste gradualismo resulta um sentido de Justiça."
Goulart Nogueira
domingo, 6 de fevereiro de 2011
La Mort en face
"Se tivesse tido vagar, com certeza que escrevia com este título a história dos dias que vivi na cela dos condenados à morte, em Fresnes. Diz-se que não se olha de frente nem para o sol nem para a morte. Mas, por mim, tentei. Nada tenho de estóico e custa muito arrancarmo-nos ao que amamos. Tentei, no entanto, não deixar uma imagem indigna àqueles que me viam ou pensavam em mim.
Os dias, especialmente os derradeiros, foram ricos e plenos. Já não tinha muitas ilusões, sobretudo depois que soube da rejeição do meu pedido de indulto, que, aliás, previ. Terminei o pequeno trabalho sobre Chénier e escrevi ainda alguns poemas. Uma das minhas noites foi má e, de manhã, ainda velava. Mas, nas noites a seguir, dormi muito sossegadamente. Nas três últimas, em todos os serões, reli a narrativa da Paixão em cada um dos quatro Evangelhos. Rezei bastante e era a oração, bem sei, que me dava um sono tranquilo. De manhã, o sacerdote veio trazer-me a comunhão. Pensava com doçura em todos os que amava, em todos aqueles que encontrei na minha vida. Pensava, com desgosto, no desgosto deles. Mas tentava, o mais possível, aceitar."
Robert Brasillach
Méridien Zéro e a Palestina
A edição de hoje do programa Méridien Zéro é dedicada ao complexo conflito israelo-palestino. O convidado é Zacarias Adam, um militante humanitário da causa palestina. Como habitualmente, a emissão tem início às 22 horas portuguesas e pode ser escutada através da Radio Bandiera Nera.
O meu país me dói
Que lança filhos seus entre as águias sangrentas,
Que põe soldados seus em combates mesquinhos,
E dá ao céu azul um sol de armas violentas.
O meu país me dói em este tempo escuro,
Com juramentos vãos, com o quebrar dos laços,
Com a sua fadiga e as nuvens do futuro,
Com os seus fardos de peso a entorpecer-lhe os passos.
O meu país me dói, ao ser dúplice e vário,
Ao abrir o oceano para os navios cheios,
Ao abater na morte o marujo e o corsário,
Ao apagar, ligeiro, os erguidos esteios.
O meu país me dói pelos seus exilados,
E tanto calabouço e p‘los filhos perdidos,
Por cada prisioneiro entre arames farpados,
E pelos que estão longe e hoje desconhecidos.
O meu país me dói pelas terras em chamas,
Dói-me sob o inimigo e dói sob o aliado,
Dói-me em seu corpo e alma e dói-me com os seus dramas,
Dói-me sob a grilheta onde está subjugado.
O meu país me dói por toda a mocidade
Sob estandarte estranho e dispersa em parcelas,
Perdendo um jovem sangue a cumprir em verdade
As promessas de quem já nem cuidava delas.
O meu país me dói, pois vejo tantos fossos
Cavados por fuzis que os irmãos empunharam,
Dói-me ver usurpar até ao sangue e aos ossos,
O salário mais justo e os que renunciaram.
O meu país me dói, a escravizar-se, exangue;
Por seus carrascos de ontem e pelos que hoje há,
O meu país me dói, a lavar-se com sangue;
O meu país me dói. Quando se curará?
Robert Brasillach
(Tradução de Goulart Nogueira)
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