terça-feira, 3 de maio de 2011

A evolução da técnica e o declínio da nobreza

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"Rememoremos o que era o estado nos fins do século XVIII em todas as nações europeias. Bem pouca coisa! O primeiro capitalismo e as suas organizações industriais, onde pela primeira vez triunfa a técnica, a nova técnica, a racionalizada, tinham produzido um primeiro crescimento da sociedade. Uma nova classe social apareceu, mais poderosa em número e potência que as preexistentes: a burguesia. Esta burguesia indigna possuía, antes de mais nada e sobre tudo, uma coisa: talento, talento prático. Sabia organizar, disciplinar, dar continuidade e articulação ao esforço. No meio dela, como num oceano, navegava a «nave do estado». A nave do estado é uma metáfora reinventada pela burguesia, que se sentia a si mesma oceânica, omnipotente e prenhe de tormento. Aquela nave era coisa de nada ou pouco mais: mal tinha soldados, mal tinha burocratas, mal tinha dinheiro. Fora fabricada na Idade Média por uma classe de homens muito diferentes dos burgueses: os nobres, gente admirável pela sua coragem, pelo seu dom de mando, pelo seu sentido de responsabilidade. Sem eles não existiriam as nações da Europa. Mas com todas essas virtudes do coração, os nobres andavam, andaram sempre, mal da cabeça. Viviam de outra víscera. De inteligência muito limitada, sentimentais, instintivos, intuitivos; em suma: «irracionais». Por isso não puderam desenvolver nenhuma técnica, coisa que obriga à racionalização. Não inventaram a pólvora. Tramaram-se. Incapazes de inventar novas armas, deixaram que os burgueses — tomando-as do Oriente ou doutro sítio — utilizassem a pólvora, e com isso ganhassem automaticamente a batalha ao guerreiro nobre, ao «cavalheiro», estupidamente coberto de ferro, que mal podia mover-se na lide, e a quem não ocorrera que o eterno segredo da guerra não consiste tanto nos meios de defesa quanto nos de agressão (segredo que Napoleão iria descobrir)."

Ortega y Gasset
in «A Rebelião das Massas», Relógio d'Água.

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