segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Fukuyama revisitado

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"Os recentes acontecimentos no Egipto vieram confirmar a ilusão e fracasso da ‘Primavera Árabe’ como sinónimo de modernização e viragem democrática.
Este fracasso, registado em todo o Magrebe e Médio Oriente (fora a transição reformista marroquina) põe em causa a tese do determinismo evolutivo, enunciada por Francis Fukuyama no final da Guerra Fria, segundo a qual o mundo — todo o mundo — caminharia para sociedades democráticas e capitalistas.
Na década de 1970, tinham terminado na Europa, por ruptura ou transição, os regimes autoritários da Península Ibérica e caído a ditadura militar grega, ficando democratizado o espaço NATO. Na década seguinte, seria a vez das Américas: o Brasil concretizava a transição do regime militar e em 1985 o Chile de Pinochet iniciava essa transição concluída em 1988. Os generais argentinos tinham caído com a guerra das Malvinas em 1983. Assim, com excepção de Cuba, a América Latina democratizara-se.
Nos finais da década de 80, em consequência da política de Reagan e da Perestroika, era a vez da queda dos regimes comunistas da Europa Oriental, seguida pela fragmentação da própria União Soviética. Depois em 1994, chegaria o fim do regime minoritário branco da África do Sul.
Apesar dos conflitos dos Balcãs e dos grandes Lagos, do macroterrorismo da al-Qaeda e das guerras do Afeganistão e do Iraque, a vaga continuou com a queda de sucessivos ‘homens fortes’.
Dois tipos de regimes não democráticos sobreviviam: os inspirados no marxismo-leninismo e as autocracias tradicionais islâmicas (como a Arábia Saudita e a clerocracia iraniana).
Os cépticos anti-Fukuyama, como S.P. Huntington, sempre insistiram em que as democracias constitucionais funcionariam basicamente naqueles espaços que eram cristãos e tinham tido uma experiência constitucional no século XIX e criado uma sociedade civil, como era o caso da Europa e das Américas.
Os factos parecem voltar a dar-lhes razão: além do claro impasse e recuo das instituições democráticas no Magrebe e no Oriente Próximo, importantes Estados como a República Popular da China e a Rússia de Putin mostram-se pouco permeáveis ao modelo democrático.
Na China, sob a liderança do novo Presidente, Xi Jinping, o Partido Comunista distribuiu um texto conhecido como ‘Documento n.º 9’, que aponta os ‘Sete Perigos’ subversivos, em termos de ideias e princípios, que a China enfrenta.
O primeiro é a ‘democracia constitucional ocidental’ e os outros têm a ver com o ideário implícito neste modelo — direitos humanos universais, independência dos media, neo-liberalismo… A difusão destes valores é contrária à liderança política do Partido Comunista. Apesar das iniciais interpretações ‘liberais’ do novo líder, é claro que o nacionalismo e a autoridade do Partido vão continuar a ser dominantes.
Na Rússia de Putin, é também a personalização do poder e o nacionalismo populista que dominam. Como na Turquia, na Hungria e em outros países da Europa Oriental e ex-comunista.
Dificuldades para a tese de Fukuyama."

Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 27 de Agosto de 2013.

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