segunda-feira, 30 de setembro de 2013

À espera

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"Bruscamente, quando no crescendo animado pelas cadeias internacionais de TV, esperávamos o ataque ao ‘reino do Mal’ de Bashar al-Assad, eis que tudo pára numa cena de dramatismo teatral: Kerry e Lavrov aparecem, em Genebra, lado a lado, com uma proposta de saída da crise — a entrega pelos sírios das armas químicas.
Lembrou-me os últimos tempos da Guerra Fria — e da União Soviética — quando Jimmy Baker e Eduard Shevardnaze andavam pelo mundo a parar conflitos periféricos com vista à paz perpétua pós-Guerra Fria… Vinte anos depois de muito conflito periférico, de muito massacre étnico, de muita vítima do macroterrorismo e antiterrorismo, esta aparição foi um ternurento ‘souvenir pieux’.
Aparentemente, todos saem a ganhar, começando pelos protagonistas do arranjo. Putin traz Moscovo de regresso à cena mundial, emparelha com os americanos, modera-os, aguenta um aliado difícil, diz coisas realistas, marca pontos ao enfrentar a hegemonia de Washington. Obama, depois dos erráticos diz e não diz e diz que faz e não faz e de uma linha vermelha que não era assim tão linha ou tão vermelha e de pedir o apoio do Congresso para uma intervenção contrária à Carta das Nações Unidas, depois de tantas voltas e reviravoltas, encontrou uma ponte de prata: livra-se de uma intervenção político-militarmente incerta e livra os aliados ingleses e franceses que podem sair à socapa com o irmão maior, todos a dizerem que, graças à pressão militar, tiveram uma vitória diplomática.
Sauditas, turcos e Emirados, e até Israel, apesar de favoráveis ao ataque, temiam-lhe as consequências imediatas. As consequências estão lá, mas podem esperar.
Assad ganha tempo, adia a queda final que os ataques poderiam precipitar (um Tomahawk podia mesmo acertar-lhe no bunker familiar). Com a natural celeridade e eficácia das inspecções internacionais vai ter tempo de sobra para continuar a liquidar os seus opositores, desde que o faça com armas convencionais…
Os opositores — os rebeldes sírios — são os mais prejudicados pela decisão. Mas, para os tranquilizar à boa maneira idealista do ‘excepcionalismo americano’ invocado por Obama, é natural que este lhes suba a ajuda. Os russos farão o mesmo a Assad.
Outra perspectiva menos optimista: Obama mostrou hesitação, incoerência, indecisão, num tema e numa área — armas de destruição maciça e Médio Oriente — em que se espera decisão rápida. O recurso ao Congresso, a paralisação depois da solene invocação da ‘linha vermelha’, não lhe fica muito bem.
Os aliados sauditas e israelitas já sabem com o que contam (ou não contam); e os inimigos — o Irão, o Iraque, a Síria — também. A oposição armada síria fica frustrada e, com certeza, os seus elementos mais radicais têm aqui um argumento poderoso para não confiar nos ocidentais e radicalizarem-se na substância e na forma. Também não lhes vai faltar apoio."

Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 20 de Setembro de 2013.

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