segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Cuidado com as profecias
"Em 1910, Norman Angell publicou The Great Illusion, um livro que muito rapidamente se tornaria famoso. Era uma profecia positiva, baseada não numa fé cega e desafiadora num Deus transcendente ou numa crença messiânica, mas que apelava para a racionalidade económica, para a evidência dos interesses, para a conjuntura daqueles anos áureos da indústria, do comércio e dos impérios europeus. Tudo para concluir que «a crescente interdependência económica entre as nações tornará a guerra uma coisa do passado».
The Great Illusion foi um sucesso: em poucos meses a obra vendeu milhões de exemplares, foi traduzida em 25 línguas e teve recensões entusiásticas na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, na França e na Alemanha.
Quatro anos após a ‘angellica’ profecia sair a público, a Europa entrava na mais sangrenta das guerras e nas esburacadas planícies da Flandres centenas de milhares de jovens ingleses, alemães, franceses e norte-americanos morriam e matavam comandados pela irracionalidade dos políticos e pela desumanidade e estupidez táctica dos chefes militares.
Angell era um tipo especial. Nascera em 1872, numa família da burguesia do Lincolnshire, estudara em França e partira para a Califórnia onde se estabelecera e publicara os primeiros textos. Nestes mostrara-se, económica e politicamente, um convicto internacionalista e um inimigo do nacionalismo e do militarismo.
O núcleo central do The Great Illusion era que a interdependência económica e financeira das nações fazia a guerra irracional, por contraditória com a prosperidade. Se uma parte da dívida pública inglesa estava nas mãos dos alemães, que ganhariam os ingleses em vencer a Alemanha? E porque iriam os alemães atacar os interesses ingleses, arriscando-se a não receber os juros da dívida? Fascinado pelas variáveis económicas — mercados, dinheiros, juros, comércio internacional — Angell pensava que os interesses actuariam sobre os agentes políticos, domesticando as paixões e modificando os comportamentos no sentido da paz e da concórdia perpétuas.
Duas guerras em que os europeus e o resto do mundo se massacrariam destruindo finanças, indústrias e comércio, iriam pôr em questão estas profecias. Mas Angell mostrou-se progressivamente mais realista e logo a seguir à Grande Guerra foi, com John Maynard Keynes, um dos grandes críticos de Versalhes, considerando que as imposições à Alemanha poderiam ter, por desmedidas e iníquas, consequências trágicas e inesperadas. Ganhou o Nobel da Paz em 1933, ano do triunfo de Hitler.
Desde o fim da Guerra Fria que temos várias repetições deste angelismo: Fukuyama, claro, mas também Walter Wriston (antigo patrão do Citicorp), com O Crepúsculo da Soberania em 1992; e Thomas L. Friedman, com a popular sentença que não era possível haver guerra entre dois países com a franchise McDonald’s.
Por sinal, na Jugoslávia e Sérvia havia cerca de 20 restaurantes McDonald’s, desde 1988. É preciso cuidado com as profecias, sobretudo quando se ocupam do futuro…"
Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 11 de Outubro de 2013.
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