quarta-feira, 15 de junho de 2011

Reflexão pós-eleitoral

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"Deixei Lisboa, segunda-feira, 30 de Maio, a caminho de Moçambique, com o PS e o PSD em ‘empate técnico’. Nos dias seguintes, da minha janela sobre o Índico, no Polana renovado, fui sabendo que o PSD ‘descolara’.
Quando voltei, no sábado, a ‘descolagem’ fazia a unanimidade das sondagens. E no domingo, antes de partir para o ‘dever cívico’, já me chegara uma sondagem ‘confidencial’ que praticamente reproduzia o resultado que saberia à noite.
Acho tonta a construção rousseauniana da ‘vontade geral’, que leva alguns pivôs e analistas a dizer: «Os portugueses escolheram».
Esta versão do processo democrático, imputando o resultado de milhões de vontades fragmentadas a uma espécie de misterioso poder anímico, colectivo e racional, além de falsa é perigosa. Leva à ‘democracia totalitária’.
Trata-se de uma coisa mais simples. Desde que se deixou de acreditar (como o saudoso Bossuet) que Deus Nosso Senhor intervinha directamente na governança dos povos, ungindo os reis para evitar que tudo acabasse a tiro (ou à paulada, entre os tecnologicamente mais atrasados), criou-se um processo pacífico de selecção dos governantes: ‘os cidadãos’ dispõem de uma fracção de ‘vontade geral’ proporcional ao total; votam em certas condições e, assim, escolhem os políticos.
A singularidade nacional foi estas experiências terem sido palco de manipulações e abusos — quer no constitucionalismo, quer na República democrática, acabando na balbúrdia e na força que era suposto evitarem. E dando cabo, entretanto, da economia e das finanças do país.
A Terceira República evitou este ADN violento do liberalismo (a guerra civil e a instabilidade crónica até 1851) e da Primeira República (a ‘ditadura’ disfarçada do Partido Democrático).
Mas desde o princípio, por reacção ao autoritarismo tardio da direita, sofreu das ideias do antifascismo pobrezinho e aplicado do MFA, com os mitos tardios do socialismo, em vésperas de serem abandonados na China e na URSS.
Pior. Como o Estado Novo fora nacionalista, a nova classe política riscou a nação e o nacionalismo (que catalogou de ‘exacerbado’) do seu léxico. E optou pelo internacionalismo: o ‘proletário’ dos sovietes e o liberal dos eurofílicos.
As ideias têm consequências: começámos no MFA e acabamos no FMI. E a nação — que José Sócrates, curiosamente, descobriu ser antiga e importante no discurso de despedida do Altis — está agora sob tutela dos credores.
Em democracia parece que não nos sabemos governar. Dentro de um clima de cepticismo e desconfiança (mais de 40% dos eleitores, o record nas legislativas, não votaram), o PSD de Passos Coelho e o CDS-PP de Paulo Portas conseguiram a maioria popular e parlamentar para um governo de legislatura. Com um Presidente da República que, à partida, pertence à mesma família política.
Ao mesmo tempo, puniu-se o despesismo crónico deste PS e o bolorento esquerdismo caviar do BE (Trotsky e Maio de 68!!!). Já o PCP, partido idoso e desinternacionalizado pelo fim da URSS, deu provas de saudável resiliência.
É a última oportunidade de, em democracia, tornar o país um lugar normal, decente e vivível para os portugueses. Mas para além das contas e de todo um programa de austeridade financeira e económico-social, que terá custos humanos dolorosos, é bom que não esqueçamos esta comunidade de passado e de destino que é a Nação.
Porque a humanidade é demasiado grande e a família pequena para tratar do que é de todos. E a Europa, pelos vistos, não passa de um banco comercial de toma-lá-dá-cá. Com juros."

Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 9 de Junho de 2011.

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